Dicionário de Paixões
João de Melo
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, 1994
Não sei por que razão existem tantos, tão difusos (e
tão mitigados) ódios entre os portugueses. Serão porventura ódios leves, quase
cordiais., decifrando-lhes o santo e a senha. Mesmo quando recíprocos, só por
um excesso de zelo, decifrando-lhes o santo e a senha, logramos nós
reconhecê-los. Também se não tornam especialmente notáveis os ódios
unilaterais, ou seja aqueles que parecem ditados por razões pessoais ou pela
estreita mesquinhez da irracionalidade.Por isso não falo de ódios assumidos,
antes daqueles que vibram á flor da pele, na ponta da unha, da caneta ou da
língua. Que há ódios de linguagem e ódios de comportamento, é uma evidência. Eu
leio-os, ouço-os, vejo-os nos rostos de quase toda a gente.
Uns e outros vem como que embrulhados nos lenços a que nos assoamos, suspensos
da lapela do casaco ou ostentados por aqueles paradoxais botões de madrepérola
a que alguns afivelam os seus insuspeitos e distintos punhos de renda...
Chama-se a isso, creio, safadeza, molho de vinagrete, violência invisível.
Devia haver uma teoria para o ódio português.
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