segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

OLHAR AS CAPAS


 Dicionário de Paixões

João de Melo

Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1994

Não sei por que razão existem tantos, tão difusos (e tão mitigados) ódios entre os portugueses. Serão porventura ódios leves, quase cordiais., decifrando-lhes o santo e a senha. Mesmo quando recíprocos, só por um excesso de zelo, decifrando-lhes o santo e a senha, logramos nós reconhecê-los. Também se não tornam especialmente notáveis os ódios unilaterais, ou seja aqueles que parecem ditados por razões pessoais ou pela estreita mesquinhez da irracionalidade.Por isso não falo de ódios assumidos, antes daqueles que vibram á flor da pele, na ponta da unha, da caneta ou da língua. Que há ódios de linguagem e ódios de comportamento, é uma evidência. Eu leio-os, ouço-os, vejo-os nos rostos de quase toda a gente.
Uns e outros vem como que embrulhados nos lenços a que nos assoamos, suspensos da lapela do casaco ou ostentados por aqueles paradoxais botões de madrepérola a que alguns afivelam os seus insuspeitos e distintos punhos de renda...
Chama-se a isso, creio, safadeza, molho de vinagrete, violência invisível.
Devia haver uma teoria para o ódio português.

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