segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

CANTARES DO ANDARILHO


ORFEU STAT 002

Editado em 1968

Capa de Fernando Aroso

Acompanhamento à viola: Rui Pato

Som e mistura: Moreno Pinto


Face 1


Natal dos Simples – Letra e Música José Afonso

Balada do Sino – Letra e Música José Afonso

Resineiro Engraçado – Letra e Música de uma canção popular da Beira Alta

Canção de Embalar – Letra e Música José Afonso

O Cavaleiro e o Anjo – Letra e Música José Afonso

Saudadinha – Letra e Música canção tradicional dos Açores


Face 2

O Tecto na Montanha – Letra e Música José Afonso

Endechas a Bárbara Escrava – Letra Luis de Camões Música José Afonso

Chamaram-me Cigano –Letra e Música José Afonso

Senhora do Almortão – Letra e Música do folclore da Beira Baixa

Vejam Bem – Música e Letra José Afonso

Cantares de Andarilho – Letra de António Quadros (pintor) Música José Afonso

O poeta António Cabral, numa introdução às Canções de José Afonso a determinado passo cita Luis Góis: «fado de Coimbra nunca existiu. Existiu, sempre, isso sim, um estilo de interpretar próprio de Coimbra.» e quase de imediato cita o próprio José Afonso: «designei as minhas primeiras canções por baladas não porque soubesse exactamente o significado desse termo, mas para as distinguir do fado de Coimbra que comecei por cantar e que, quanto a mim, atingira uma fase de saturação.»

É dentro deste espírito que surge Cantares do Andarilho e pode dizer-se que este disco é um vendaval que desaba sobre a música portuguesa, que transforma a balada numa arma interveniente contra a ditadura. Tal como escrevera Manuel Alegre:

«só cantando se pode incomodar
quem à vileza do silêncio nos obriga.
eu venho incomodar.
trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar.


Mas foram eles, aqueles a quem, depreciativamente, chamaram baladeiros que abriram janelas onde nem paredes havia.


Palavras de Urbano Tavares Rodrigues na contra capa:

« A noite das lágrimas e da raiva. A madrugada das carícias e do sorriso. O dia claro da festa colectiva. Tudo isso se encontra na poesia cantada de José Afonso, cantada por José Afonso. A luminosa gargalhada do povo, o seu suor de sangue, nas horas de esforço ingrato e de absurda expiação. O lirismo primaveril e feminino das bailias que não morreram. E o orvalho da esperança. E os ecos de um grande coro de fraternidade sonhada e assumida. José Afonso, trovador, é o mais puro veio de água que toma o presente em futuro, que à tradição arranca a chama do amanhã. No tumulto da contestação, na marcha de mãos dadas, com flores entre os lábios, é ele a figura de proa, o arauto, o aedo, o humilde, o múltiplo, o doce, o soberbo cantador da revolta e da bonança. Singelo José Afonso do Algarve doirado, dos barcos de vela panda, do Alentejo infinito sem redenção, dos pinhais da melancolia, dos amores sem medida, do sabor de ser irmão... José Afonso é a primeira voz da massa que avança em lume de vaga, é a mais alta crista e a mais terna faúlha de luar na praia cólera da poesia, da balada nova.»

Uma prosa de Gonçalo Frota, citada no site da Associação José Afonso, conta que José Afonso concorreu ao Festival da Canção da Televisão:

«Um dos temas incluídos em Cantares do Andarilho, "Vejam Bem", havia sido pensado originalmente para participar no Festival RTP da Canção. Os mesmos amigos de A Brasileira que assistiram ao nascimento de um novo Zeca Afonso, haviam de incentiválo a concorrer e como a resposta do músico aconteceu sob a forma de pergunta "o que é preciso fazer?", a resposta seguinte foi colocada nas mãos de Rocha Pato. O jornalista telefonou aos colegas do Primeiro de Janeiro em Lisboa e estes informaramn o que era necessário enviar uma cassete e uma partitura dentro de um envelope sem nome. "Partitura?!" – olharam uns para os outros. "Mas quem é que pode saber fazer uma partitura?". Talvez o senhor Pires, vendedor numa loja de electrodomésticos da cidade, a quem frequentemente Zeca e Rui Pato compravam uns discos. Acontece que o homem tocava saxofone na banda da Pampilhosa – o que, desde logo, indiciava alguns conhecimentos mínimos de teoria musical. Chegados à loja, cumprimentaram o vendedor e logo fizeram soar um "Oh senhor Pires, se a gente lhe cantarolasse uma cantiga você passava isso a partitura?". "Então não passava!". O resto vem pela voz da memória de Rui Pato: "O Zeca sentou-se lá na loja dos frigoríficos, comigo e com o senhor Pires a ouvir, ele ia cantando e eu com a viola ia ajudando, e o tipo escreveu aquilo tudo". A música acabou por não ser seleccionada, num ano (1967) em que o vencedor foi Eduardo Nascimento com "O Vento Mudou". E o vento, de facto, começava a mudar. Na vida de Zeca Afonso, na sua música, em toda a que se fazia à sua volta e, em breve, no seu país.»

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