Este não
é o dia seguinte do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
Quando é que o 25 de Abril começou a desenhar-se?
O descontentamento entre os militares face à guerra colonial estava em
crescendo.
Pessoalamente admito que o 25 deAbril despoleta no dia em que o
Decreto-Lei nº 353/73 de 13 de Julho, que se pode ver no topo do texto, e que
se transforma em pedra de toque desestabilizadora num conflito que estava
latente entre os militares das armas de infantaria, artilharia e
cavalaria.
Mas os próprios militares determinam que o “Movimento dos Capitães”
nasceu em Évora, numa reunião alargada, no dia 9 de Setembro de 1973.
Há quem tenha a opinião que o 25 de Abril começa a 23 de
Fevereiro de 1974, quando de bota-alta-de-cavalaria e pingalim, o General
António de Spínola, com chancela da “Arcádia”, publica o livro Portugal
e o Futuro.
Alguns historiadores dizem que Marcelo Caetano acabou a leitura do
livro na madrugada do dia 21 e logo admitiu o que há muito suspeitava: o regime
estava por um fio.
Artur Portela Filho, no República de 11 de Março de
1974, terminava assim uma carta dirigida ao General Spínola: «Portugal
e o Futuro surge como “o livro esperado”.
É possível, mas por quem?
Pela nossa parte o livro a
escrever não é este – é outro.
E será uma obra
colectiva.”»
Dois dias depois do levantamento de 16 de Março de 1974, protagonizado
pelas tropas do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, Vergílio
Ferreira, no 1º volume do seu Conta-Corrente, escreve:
«O livro de Spínola
alastrou numa revolta militar frustrada. O livro? Há um clima deinquietação, um
cansaço do provisório em que vivemos. O difícil da questão é que solução alguma
coisa se nos impõe como boa. Há que escolher a menos má. Qual? A África é dos
pretos que “exploramos” há quinhentos anos. Exploramos? Só? Mas como aguentar o
embate da separação? O recurso seria retroactivo: termo-nos preparado para
isso. Mas Salazar, como certos bichos, o que entregou foi pedra. Dizem-me: o
Marcelo quer aguentar a guerra até estarmos preparados. Mas o desgaste não vai
mais depressa que a preparação? Tentamos acumular de um lado, enquanto gastamos
do outro Qual o saldo? Entretanto, ainda se recorre à retórica imperial. “Deus
manda combater, não vencer, diz Marcelo. Mas Deus manda o que lhe mandamos
mandar. Deus de paz, Deus carniceiro, Deus celeste ou terreno. O Deus de
Marcelo não é muito inteligente. Ou estará simplesmente enrascado, sem saber o
que fazer».
Sabe-se hoje que o livro não foi escrito por Spínola, mas por um
capitão de artilharia, que mais tarde lhe escreveria também os discursos.
O Diário de Lisboa de 19 de Janeiro de 1976 publica um
depoimento do “escritor-fantasma” que considera Spínola um “vaidoso,
demagogo e intelectualmente preguiçoso, mas com uma memória notável.”
Em 19 de Agosto de 1976 escreve Meira Burguete no Diário
Popular:
«Spínola entrou (?) numa revolução (?) que quis corrigir (?) ou
destruir (‘) uma outra revolução que não teria seguido o cariz que o Spínola
queria.».
Vicente Jorge Silva no Público de 14 de Agosto de 199:
«O Marechal Spínola ficará
para a História não por qualquer feito militar de relevo ou pela sua actividade
militar mas por ter escrito um livro. O 25 de Abril não foi obra de um livro.
Mas sem esse livro e sem a assinatura do seu autor, é provável que o
sobressalto libertador que uniu então as Forças Armadas não tivesse sido
possível.»
O Marechal Costa Gomes na entrevista recolhida para o projecto de História
Oral do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coinbra,
disse:
«O General Spínola tece sempre contradições enormes entre o que julgava intimamente poder fazer e o que fazia. Interiormente, foi sempre um ditador potencial. Não evoluiu nada desde que saiu da Escola do Exército até ser governador da Guiné.»
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