«Começa a ser demasiado
evidente que a guerra da Ucrânia está perdida, mas os comentadores, com raras
exceções, continuam a iludir a realidade. Na frente de combate, o lado
ucraniano parece à beira do colapso, não há munições e as baixas acumulam-se. O
país ficou arruinado e a estratégia de não se permitir o fim do massacre revela
a mais pura hipocrisia.
A ideia da América
era reduzir as capacidades militares russas sem perder soldados americanos, mas
assistimos à destruição progressiva da Ucrânia, que fornece a carne para
canhão. O Ocidente queria gerir o fim do império russo, mas apenas reanimou o
adversário. Dizem agora que os russos invadem a Europa se a Ucrânia perder, mas
oculta-se que o lado europeu da NATO gasta seis vezes mais dinheiro em defesa
do que a Rússia. Se nem nos conseguimos defender com tal abundância, a verba
serviu para quê? Portugal é um dos entusiastas na defesa da Ucrânia, diz que
vai até ao fim, mas não consegue pagar o seu próprio compromisso na NATO de 2%
do PIB em defesa.
Esta guerra de dois anos matou talvez meio milhão de pessoas e provocou na Europa brutais aumentos no custo da energia e dos alimentos. A sabotagem dos gasodutos NordStream foi ignorada e o gás natural americano é comprado ao triplo do preço do gás russo. Os nossos dirigentes diziam que a Rússia ia colapsar sob o peso das sanções, mas as sanções saíram do bolso dos europeus. Bruxelas também permitiu a entrada livre de produtos agrícolas ucranianos mais baratos, que não cumpriam as regras da política agrícola comum, e os agricultores europeus entraram em revolta. Não deixa de ser curioso que a metade mais fértil das terras agrícolas ucranianas fosse comprada antes da guerra por multinacionais americanas (também sauditas e europeias) que querem escoar os seus produtos.
Os cemitérios ucranianos estão cheios, o país depende do exterior para pagar
salários e pensões, tem um terço da economia destruída, as fábricas em ruínas,
60% dos trabalhadores mobilizados, 2 milhões de habitações danificadas, 10 milhões
de deslocados, um quinto do território ocupado e milhões de refugiados que não
tencionam regressar. A reconstrução vai custar 500 mil milhões de euros em dez
anos (números da UE certamente otimistas). A equação é simples: a guerra está
perdida.
Ao longo de dois anos, fomos enganados a ritmo diário. A Ucrânia vencia todas
as batalhas, mas na verdade sangrava. Houve oportunidades perdidas para
negociar a paz, mas deste lado só se falou em enviar mais armamento. Os russos
estavam isolados (não estavam) e tinham perdas calamitosas, mas na realidade a
Ucrânia não consegue mobilizar mais soldados e a desproporção em artilharia (a
arma mais letal) foi ao longo do conflito favorável à Rússia em cinco obuses
para um. Quem é que perdeu mais soldados?
Apenas 10% dos europeus acreditam que a Ucrânia pode vencer, mas os meios de
comunicação continuam a transmitir a ideia de que a vitória está ao virar da
esquina. A derrota da Ucrânia será atribuída aos que não acreditam, por falta
de fé e por serem admiradores de Vladimir Putin. Não se explica que a maior
parte do dinheiro que supostamente vai salvar Kiev e que os republicanos do
Congresso se recusam a entregar serviria para pagar armas já fornecidas e repor
stocks de munições nos EUA. Este dinheiro nem sairá da América e consiste num
enorme pacote de financiamento da indústria de armamento.
Os que defendem a guerra usam analogias históricas, como por exemplo a invasão
da Polónia em 1939. A Rússia usa uma analogia parecida, de agressão fascista,
mas nenhum exemplo descreve a realidade. A Ucrânia estava em guerra civil antes
da invasão e a Rússia é uma potência nuclear que se considera em crise
existencial. O Kremlin, que foi enganado nos acordos de Minsk, jamais aceitaria
a entrada da Ucrânia na NATO ou a perda da Crimeia. A Rússia foi subestimada e
do lado ocidental houve a estranha ilusão de que fornecer armas a um
beligerante não ia ter custos.
Com a degradação constante da situação na frente e o ocidente incapaz de
fornecer mais munições, a opinião pública precisa de abandonar depressa o
estado de incompreensão em que mergulhou. Os nossos líderes devem assumir os
erros e reconhecer que chegou a hora do cessar-fogo e de acabar com a
carnificina. A agonia da Ucrânia só pode parar por negociação ou capitulação e,
quanto mais tempo se perder, mais difícil será conseguir um bom acordo para os
ucranianos, que se arriscam a ficar sem país, a troco de nada.»
Luís Naves no Delito de Opinião
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