quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

POEMA DE DOMINGO

Aos domingos as ruas estão desertas

e parecem mais largas.

Ausentaram-se os homens à procura

de outros novos cansaços que os descansem.

Seu livre arbítrio alegremente os força

a fazerem o mesmo que fizeram

os outros que foram fazer o que eles fazem.

E assim as ruas ficaram mais largas,

o ar mais limpo, o sol mais descoberto.

Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas

e espetarem o ventre e alargarem os braços

no amplexo de amor que só eles conhecem.

 

O olhar aberto às largas perspetivas

difunde-se e trespassa

os sucessivos, transparentes planos.

Um cão vadio sem pressas e sem medos

fareja o contentor tombado no passeio.

 

É domingo.

E aos domingos as árvores crescem na cidade,

e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se

a cantar empoleirados neles.

Tudo volta ao princípio.

 

E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas

e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras

levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,

enquanto o transeunte,

no deslumbramento do encontro inesperado,

eleva a mão e acena

para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.

 

António Gedeão de Novos Poemas Póstumos em Obra Completa

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