terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

TAMPO VAZIO

Palavras

Como me mandam sempre

fazer o que não sei…

encho-me de pavor por não saber…

Penso depois que o necessário é preencher o tempo…

É o que tenho feito.

De qualquer amneira…

De todas as maneiras.

Âs vezes penso que é bom trabalhar para os outros…

Que isso nos traz um grande alívio.

Que, enquanto temos o espírito aocupado

com o que sobra ou enche o espírito dos outros,

nos vamos iludindo, esquecendo…

nos vamos apoiando.

Penso que precisamos, todos de apoio.

Que, se Deus nos falta, falta-nos tudo.

E que é compreensível recorrer,

de vez em quando,

à estricnina.

Penso que, de manhã, se está, geralmente, mais desperto.

Que é hora melhor para iludir compromissos.

Para esquecer que se acordou, e temos…

Penso várias e uma só coisa ao mesmo tempo.

Penso que tenho tido pouca sorte mas que assim era preciso.

E se ouço passos, tremo…

Penso que gostaria, tanto!, de ler um livro…

sem pensar em mais nada.

De ajeitar, delicadamente,

O lenço a minha mãe.

De viajar.

Penso que a vida nos reserva grandes coisas,

e que que ainda estais a tempo…

Dou por mim a pensar de outra maneira:

que  nunca chegaremos ao fim,

que não sabemos se queremos lá chegar,

e que, se a vontade nos escapa, temos vontade de tudo menos

     de morrer.

Porque algo, um pequenino motivo inconsciente, uma parte,

      minúscula, do nosso destino,

Precisa atravessar as trevas, e viver!

Penso muitas vezes se acaso ser poeta não será outra coisa,

e que os versos que escrevo bem pode ser que estejam

me enganando…

há forças que não sei explicar.

No que sempre acredito, divido sempre – observo-me – estou

       sempre de pé atrás…

também eu, é verdade, senti deslumbramento

pela variedade multicolor dos canteiros,

pelos reflexos e mil jogos de cor da luz sobre a folhagem…

parecia-me que a beleza perdoava tudo e a tudo conferia

     majestade.

Hoje penso que não: que adoeci, que fui envelhecendo, que

     há poucos livros úteis, que para sobreviver, temos de

     trabalhar… e o trabalho sem amor mata.

Não penso já no amor, pendso na morte.

Não na morte que a todos nos espera, a um canto do mundo,

     a um momento  não na morte final estou pensando

     agora.

Agora e a toda a hora penso na diária morte que atravesso

      e se atravessa em mim.

Nessa, sim, é que eu penso; irremediavelmente.

Porque a outra morte tem remédio ou, se o não tem, paciên-

      Cia…

Esta, sim é que custa.

É que custa a carregar todos os dias,

peso morto.

Peso morto em que penso

sobre o tampo limpo.

Limpo e vazio.

Raul de Carvalho em Tampo Vazio

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