Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de
histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias,
figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação
do dia, mês, ano em que aconteceram.
João Pacheco, filho do jornalista, poeta e escritor Fernando Assis Pacheco, escrevia no Expresso de 26 de Janeiro: À espera da notícia. Ele fala de uma crónica do Pedro Alvim, publicada no Diário de Lisboa de 3 de Abril de 1974: «Um Campo de Neve Todos os Dias». Eu era um cliente habitual das crónicas que, naquele tempo, o Diário de Lisboa publicava todos os dias. Lembro-me desta crónica, gostava muito do Pedro Alvim, guardei a crónica. Andei agora à procura, mas não a encontro. Sirvo-me do recorte do Expresso do João Pacheco porque ele lembra que até 5 de Maio estará na Cordoaria Nacional uma exposição do Eduardo Gageiro:
«Não se sabia
quando, como ou quem. Esperava-se a notícia de um golpe de Estado. Aquela
primavera de 1974 arrastava-se em tons de crise, para o ditador Marcello
Caetano. E o jornal “Diário de Lisboa” publicou a 3 de abril a pequena crónica
“Um campo de neve todos os dias”, do jornalista Pedro Alvim. Para os censores,
aquela seria prosa inócua sobre jornalismo, desencantada para resolver a falta
de assunto. Já para quem tivesse o treino de ler nas entrelinhas, lá estava
aquela frase inicial inteira e limpa: “Estou aqui à espera da notícia.” Sim,
corria muito mal a guerra nas várias frentes africanas. Aliás, pode uma guerra
correr bem? Crescia o descontentamento entre os militares, acumulava-se o
sofrimento nas famílias afetadas de forma direta. E além do esforço de guerra,
a economia portuguesa precisava de inventar forças para enfrentar a conjuntura
mundial, com os preços do petróleo a roubar margem de manobra às pessoas, às
empresas e aos Estados. Enquanto o regime fascista se preparava para dar o
berro, no mesmo jornal faziam-se reportagens sobre o preço do peixe. Como se
fosse um fenómeno natural, desligado da política. O último álbum gravado por
Zeca Afonso antes do 25 de abril chama-se “Venham mais Cinco”. E inclui a
canção ‘Nefretite não Tinha Papeira’, onde se alude aos preços das arábias,
terminando com estes versos: “Os sheikes israelitas/ Já que estou com a mão na
massa/ Lembram-me os sheikes das fitas/ Que dão porrada a quem passa”.
Aproximam-se os 50 anos da revolução que trouxe a democracia a Portugal. E somos confrontados com muitas imagens daquele “dia inicial inteiro e limpo”, relatado por Sophia de Mello Breyner. Naquele dia “emergimos da noite e do silêncio”. E esta é uma imagem que dá a noção da originalidade da revolução portuguesa. A qualidade popular deste dia inicial nasceu da desobediência, quando o que poderia ser apenas um golpe militar se transformou numa revolução também do chamado povo. O autor desta imagem chama-se Eduardo Gageiro, tem 88 anos e é um enorme repórter fotográfico. Até 5 de maio, podemos ver em Lisboa 170 imagens de Gageiro, na exposição “Factum”, no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional. Espalhem a notícia.»
Eduardo
Gageiro, um brilhantíssimo fotógrafo deste nosso país, tão triste de esquecer
gente, de esquecer os seus melhores.
Ele também esperava a notícia. Como tantos outros e não eram assim muitos. Melhor: não eram aquele rio de gente,e que no 25 de Abril, desaguou nas ruas a gritar por Liberdade, Democracia…
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