quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 Os dias de raiva!

Guerra Colonial:

- 800 mil jovens foram mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique

- mais de 10 mil mortos

- 40 mil estropiados e deficientes

- Em Julho de 1989, a Associação dos Deficientes das Forças Armadas estimava que o stress de guerra afectava cerca de 140 mil ex-combatentes com várias perturbações traumáticas. No entanto, a estatística é falível porque se admite que não são conhecidos todos os casos. Entre os que recebiam assistência psiquiátrica encontrava-se um número considerável de drogados, alcoólicos, outros com graves problemas de adaptação social.

Sabemos destes números.

Serão mais? Serão menos?

Escreve João Paulo Guerra no seu livro «Memórias da Guerra Colonial»: não há estatísticas para a solidão, a ansiedade, o medo, o sofrimento, a dor.

Há feridas que custam a cicatrizar, mas o silêncio não é o melhor remédio.

O reino da mediocridade salazarista, o frenesim de manter um Portugal uno e indivisível, de Minho a Timor, impuseram uma guerra sem sentido, estúpida e inútil.

O desprezo por todo um povo.

Adeus até ao meu regresso.

Lembram-se?

Se se lembram, não nos obriguem a esquecer.

Porque ninguém perguntou àqueles jovens se queriam ou não participar naquela guerra.

Uma verdade: não sabemos tudo sobre esta guerra. Apenas julgamos saber…

No Natal de 1971 o «Movimento Nacional Feminino» editou um disco que foi distribuído pelos soldados que combatiam em África onde, possivelmente, não existiam gira-discos e, em quartéis de morros e picada nem electricidade havia.

Na contracapa do disco fala-se das muitas vontades que permitiram que ele fosse feito.

O disco integra mensagens patrióticas de um leque de personagens onde, entre outros, surgem Eusébio, Hermínia Silva, Parodiantes de Lisboa, Inspector Varatojo, Joaquim Agostinho, Amália Rodrigues, Maria de Lurdes Modesto, Florbela Queiroz.

Vai o disco a meio e ouve-se:

Sou a Cilinha, também conhecida por Cecília Supico Pinto, rosto, e tudo o mais, do «Movimento Nacional Feminino», «uma Salazar de saias», como alguém lhe chamou.

Cabem-me as missões mais gratas neste LP de carinho. Antes de mais a de representar as vossas famílias. É com toda a alegria que o faço. Em nome delas: «Olá rapazes! Santo Natal.»


António Lobo Antunes em «Os Cus de Judas»:

«As senhoras do Movimento Nacional Feminino vinham por vezes distrair os visons da menopausa distribuindo medalhas da Senhora de Fátima e porta-chaves com a efígie de Salazar, acompanhadas de Padre Nossos nacionalistas e de ameaças do inferno bíblico de Peniche, onde os agentes da Pide superavam em eficácia os inocentes diabos de garfo em punho do catecismo. Sempre imaginei que os pêlos dos seus púbis fossem de estola de raposa, e que das vaginas lhes escorressem, quando excitadas, gotas de Ma Griffe e baba de caniche, que abandonavam rastros luzidios de caracol na murchidão das coxas.»

O disco não termina sem que se volte a ouvir a voz da Cilinha:

«A fechar este disco a presença dum soldado que é vosso chefe e irmão: o General Sá Viana Rebelo:

Destinam-se estas palavras a figurar no disco do simpático Movimento Nacional Feminino para lembrança individual no Natal de 1971 dos militares do Exército, Marinha e Força Aérea. Tais palavras serão uma mensagem de esperança e de paz (…) vejamos um dia recompensados os nossos esforços para que a paz volte à terra portuguesa. (…) Mais um ano em que há afastamento de militares das suas famílias (…) Quantos Natais muitos dos nossos militares passaram já afastados das famílias? (…) Mas é sacrifício de que os nossos filhos e netos irão mais tarde beneficiar. Nada daquilo que se faz em África se irá perder. Tudo durará. Haja o ânimo de defender o que é nosso e Portugal continuará na terra africana a celebrar na nossa África os Natais de Cristo como agora. E mais tarde de regresso aos lares ao ouvirem este disco estou certo de que muitos, todos, dirão: custou-me bastante mas valeu a pena!»

É doloroso, muito mesmo,  reouvir este disco.

Incómodo, ridículo, trágico, desprezível.

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