sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
SARAMAGUEANDO
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos
de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno,
a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz
e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda
do mundo infatigável, porque mordeu a alma
até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem mila-
gres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago em Provàvelmente Alegria, Livros Horizonte, Lisboa s/d
Legenda: pintura de Carlo Carrà
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