segunda-feira, 4 de abril de 2016

JOSÉ GOMES FERREIRA, POR ELE PRÓPRIO


No dia 14 de Março de 1969, José Gomes colocou nos seus Dias Comuns:

Telefonaram-me agora da Philips a convidar-me a gravar um disco para vender em Portugal e no Brasil. Aceitei em princípio.

A 18 de Março, volta ao assunto:

A voz dos poetas a dizerem versos nos discos…
Porque não o ranger das penas no papel?...
É talvez a verdadeira voz dos poetas.


Na véspera, não se sabe se a propósito do disco, escreveu uma só frase…

A vaidade entristece o mundo…

Entrada de 19 de Março:

Passei a noite a ler em versos em voz alta… Mas aconteceu uma tragédia. Como tenho dentadura nova, senti na boca uma mistura desagradável de palavras com favas sibilantes. E pedras. Vou fazer uma linfa figura de poeta tatibitates para a eternidade dos meses curtos!
E, sobretudo, não gosto dos meus versos. São do outro.


No dia 2 de Abril volta a falar do disco:

Ontem à noite comecei a gravar o meu disco. Voltei para casa fatigadíssimo e passei toda a noite excitado, sem dormir - com uma insónia de deus tenso.
Odeio a minha voz – solene, cantada, boa para sermões redondos. Lutei toda a noite com ela. Em vão! Não consegui torna-la num chicote rude.

No dia 18 de Abril:

Hoje almoço da gente da Philips com a da Portugália a propósito do meu Disco.
Almoço neo-capitalista no último andar do Hotel Eduardo VII com o panorama de Lisboa a comer connosco à mesa.
Almoço de comida complicada que me suscitou uma enorme sonolência…
- É o neo-capitalismo que conseguiu entrar em mim, para me atacar de dentro para fora… Para me adormecer… - expliquei ao Nikias esta tarde no Palladium.

O disco, com a referência 841 402 PY, teve produção de João Martins, reproduz uma fotografia de Nuno Calvet e inclui um encarte com a transcrição dos poemas ditos por José Gomes Ferreira, bem como palavras de Maria Teresa Horta, Carlos de Oliveira e Augusto Abelaira.

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