O seu primeiro livro como escritor foi a Carta-Sincera
a José Gomes Ferreira?
Isso era uma carta,
um panfleto, não era um livro. O meu primeiro livro foi a Crítica de
Circunstância, edição Ulisseia e do Vítor Silva Tavares. Foi o gajo que de
facto começou comigo e começou com coragem porque eles sabiam que o livro ia
ser apreendido. E foi! Agora, a carta ao Gomes Ferreira, escrita em 1953, foi o
meu primeiro texto com alguma dimensão, com alguma pontaria. Eu mandei-lhe o
texto numa carta registada com aviso de recepção. Recebi o aviso de recepção
assinado pelo José Gomes Ferreira mas ele nunca deu resposta. O Gomes Ferreira
não percebeu aquela carta. Aquilo era uma irritação e uma homenagem, uma
irritação porque ele estava a abandalhar-se como escritor e uma homenagem
porque o Gomes Ferreira tinha sido um dos meus ídolos de juventude. Esse texto
foi escrito para um projecto meu, do Cesariny e do Lisboa, que era “Duas
gerações, Três cartas”. Eu escrevia uma carta ao Gomes Ferreira, o Cesariny ao
Gaspar Simões e o Lisboa ao Casais Monteiro. A carta do Lisboa (“Carta Aberta
ao Srº. Dr. Adolfo Casais Monteiro”) está naquela edição da Assírio &
Alvim, o tijolo cor-de-rosa, organizada pelo Cesariny. Lembro-me perfeitamente
de o Lisboa ter estado comigo na Inspecção dos Espectáculos, no r/c, na Calçada
da Glória, com uma máquina muito velha, ele a ditar-me a carta e eu a escrever
a carta à máquina. Dali o Lisboa foi ao Diário Popular para ser publicada como
resposta à entrevista do Casais Monteiro ao Gaspar Simões... para elucidar esse
texto do Lisboa há que ler a entrevista... Não sei se ele chegou a ir ao
Popular, não sei se se arrependeu pelo caminho. Ora como é que essa carta chega
à mão do Cesariny? Não sei. O que eu sei é que quando tentei fazer um trabalho
sobre o Casais Monteiro, eu na altura não tinha envergadura para fazer aquilo,
lembro-me que estava no Café Portugal, no Rossio, com um livro do Casais...
aquele primeiro livro... o livro de ensaios... o Lisboa disse-me, muito sacana
e perfurante: “estás a agarrar-te ao Casais porque não tens tomates para te
agarrares ao José Régio”. É natural que o Lisboa tivesse preferência pela
poesia do Régio ou que considerasse o Régio mais importante que o Casais... a
poesia do Lisboa é muito mais achegada à poesia do Casais do que ao Régio. No
Lisboa não havia problemas metafísicos, nem de Deus, nem do Além nem nada
disso, como há no Régio e não há no Casais. Ora, anos depois, já eu estava no
Pote d’Água, o Cesariny pediu-me para publicar a Carta-Sincera na Antologia em
1958, a colecção dele, que era feita na Rua Nova do Loureiro, na Editora Gráfica
Portuguesa. O título completo era Carta-Sincera a José Gomes Ferreira com uma
Nota do Autor por causa da Província.
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