Não me servia de nada dizer que de todos os sarilhos em que me vi
metido sempre me saí bem,
tanto das fortunas como das desgraças. O passado é como uma
bicha solitária cada vez mais comprida e que trago enrolada dentro de mim e que
nunca perde os anéis por mais que eu me esforce por esvaziar as tripas em todas
as retretes à inglesa ou á turca, ou nos baldes das prisões ou nas
arrastadeiras dos hospitais ou nas fossas dos acampamentos, ou simplesmente nos
arbustos, vendo bem se não aparece de repente uma cobra, como daquela vez na
Venezuela. O passado não se pode mudar tal como não se pode mudar de nome, que
por mais passaportes que tenha tido, com nomes de que já não me lembro, todos
me chamaram o suíço Ruedi: para onde quer que fosse e eme apresentasse, havia
sempre alguém que sabia quem eu era e o que fazia, embora o meu aspecto tenha
mudado muito com o passar dos anos, especialmente desde que o meu crânio ficou
calvo e amarelo como uma toranja, e isto sucedeu na epidemia de tifo a bordo do
Stjarna, quando pela carga que levávamos não podíamos aproximar-nos da margem
nem sequer para pedir socorros via rádio.
Italo Calvino em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
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