O pormenor da iluminação de Natal da Almirante Reis que a Aida captou mostra a Sopa dos Pobres dosAnjos.
Sempre que por ali
passo, e são muitas as vezes, recordo que José Saramago a frequentou. Di-lo,
muito claramente num texto que vem no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote:
«Num artigo de Ângela Caires publicado na Visão, sobre António
Champalimaud, leio que o tio Henrique Sommer, em carta com valor testamentário
dirigida às manas Albana e Maria Luísa, lhes recomendava que não se esquecessem
de distribuir, pelo Natal, dois contos de réis à Sopa dos Pobres da Freguesia
dos Anjos, de Lisboa. Naturalmente, o generoso Sommer (que em glória esteja)
desejava que não sofresse mudança, depois do seu passamento, a beneficente
prática que instituíra.
Quem poderia imaginar que esta informação, escrita ao
correr da pena, viria lançar uma luz nova sobre a minha biografia secreta? De
facto, não foram poucas as vezes, no tempo da adolescência, que ocupei um
envergonhado lugar na fila de aspirantes à sopa e ao quarto de pão que se
serviam naquele atarracado e soturno edifício fronteiro à Igreja dos Anjos…
Mais ou menos por essa altura devo ter aprendido na aula de Física e Química da
Escola Industrial Afonso Domingues o princípio dos vasos comunicantes, mas só
hoje é que consegui perceber, sem reservas mentais nem dúvidas formais, como se
efectua a transmissão da riqueza e do bem-estar dos que estão em cima para os
que estão em baixo, do conto de réis para o quarto de pão, da fartura para
falta. Por muitos que fossem os seus pecados, Henrique Sommer nunca ficaria no
inferno, sempre haveria uma concha da sopa para o tirar de lá…»
Sem comentários:
Enviar um comentário