sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

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Sempre que por ali passo, e são muitas as vezes, recordo que José Saramago a frequentou. Di-lo, muito claramente num texto que vem no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote:

«Num artigo de Ângela Caires publicado na Visão, sobre António Champalimaud, leio que o tio Henrique Sommer, em carta com valor testamentário dirigida às manas Albana e Maria Luísa, lhes recomendava que não se esquecessem de distribuir, pelo Natal, dois contos de réis à Sopa dos Pobres da Freguesia dos Anjos, de Lisboa. Naturalmente, o generoso Sommer (que em glória esteja) desejava que não sofresse mudança, depois do seu passamento, a beneficente prática que instituíra.
Quem poderia imaginar que esta informação, escrita ao correr da pena, viria lançar uma luz nova sobre a minha biografia secreta? De facto, não foram poucas as vezes, no tempo da adolescência, que ocupei um envergonhado lugar na fila de aspirantes à sopa e ao quarto de pão que se serviam naquele atarracado e soturno edifício fronteiro à Igreja dos Anjos… Mais ou menos por essa altura devo ter aprendido na aula de Física e Química da Escola Industrial Afonso Domingues o princípio dos vasos comunicantes, mas só hoje é que consegui perceber, sem reservas mentais nem dúvidas formais, como se efectua a transmissão da riqueza e do bem-estar dos que estão em cima para os que estão em baixo, do conto de réis para o quarto de pão, da fartura para falta. Por muitos que fossem os seus pecados, Henrique Sommer nunca ficaria no inferno, sempre haveria uma concha da sopa para o tirar de lá…»

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