O interrogatório do homem que saiu de casa depois da
hora de
recolher começou há quinze dias e ainda não acabou
Os inquiridores fazem uma pergunta em cada sessenta minutos
vinte e quatro horas por dia e exigem cinquenta e nove respostas
diferentes para cada uma
É um método novo
Acreditam que é impossível não estar a resposta verdadeira entre
as cinquenta e nove que foram dadas
E contam com a perspicácia do ordenador para descobrir qual
delas seja e a sua ligação com as outras
Há quinze dias que o homem não dorme nem dormirá enquanto
o ordenador não disser não preciso de mais ou o médico não
preciso de tanto
Caso em que terá o seu definitivo sono
O homem que saiu de casa depois da hora de recolher não dirá
por que saiu
E os inquiridores não sabem que a verdade está na sexagésima
resposta
Entretanto a tortura continua até que o médico declare
Não vale a pena
recolher começou há quinze dias e ainda não acabou
Os inquiridores fazem uma pergunta em cada sessenta minutos
vinte e quatro horas por dia e exigem cinquenta e nove respostas
diferentes para cada uma
É um método novo
Acreditam que é impossível não estar a resposta verdadeira entre
as cinquenta e nove que foram dadas
E contam com a perspicácia do ordenador para descobrir qual
delas seja e a sua ligação com as outras
Há quinze dias que o homem não dorme nem dormirá enquanto
o ordenador não disser não preciso de mais ou o médico não
preciso de tanto
Caso em que terá o seu definitivo sono
O homem que saiu de casa depois da hora de recolher não dirá
por que saiu
E os inquiridores não sabem que a verdade está na sexagésima
resposta
Entretanto a tortura continua até que o médico declare
Não vale a pena
José Saramago em
O Ano de 1993
Por um daqueles mistérios que me vão acontecendo ao longo dos dias, dos meses, dos anos, só em 1977 consegui encontrar esta edição da Futura, publicada em Março de 1975. Comprei-a na Festa do Avante e nessa tarde, na única vez em que conversei com Saramago, lhe falei desse mistério em que desde 1966 tendo comprado todos os seus livros logo que saíram, este me falhou.
A saber:
Os Poemas
Possíveis ,1966
Provavelmente
Alegria, 1970
Deste Mundo e do
Outro, 1971
A Bagagem do
Viajante, 1973
As Opiniões que o
DL Teve, 1974
Os Apontamentos, 1976
Manual de Pintura
e Caligrafia, 1976
Reconto a história:
Nunca me
interessei por autógrafos, sejam em livros, discos, o que quer que seja.
Tirando os livros que os amigos escrevem, e me oferecem, contam-se pelos dedos
de uma mão, e ainda sobram dedos, os livros autografados. Que me lembre, há um
livro de José Gomes Ferreira, Antologia Poética, editado pela Diabril, comprada
na Feira do Livro de 1976 de e outro do
José Saramago.
Apenas uma vez
conversei com José Saramago: foi na Festa do
Avante, no Vale do Jamor, em 1977.
Naquele tempo a
organização das tasquinhas na Festa, era muito diferente da que hoje existe.
Cheguei-me ao
pré pagamento da tasquinha de São Pedro do Sul, e passados uns instantes
verifico que à minha rente estava o José Saramago,
José Saramago
ainda não tinha publicado o “Levantado do Chão”, era um autor
conhecido, apenas, por uma imensa minoria. Cumprimentei-o.
Em Dezembro de
1976 José Saramago publicara Manual
de Pintura e Caligrafia. Ainda hoje é um livro de que gosto muito e
desse gosto dei conta a Saramago, e por ali ficámos um pouco à conversa sobre o
livro, de como o descobrira, aquando da publicação de Os
Poemas Possíveis, do excerto de um texto meu sobre Deste Mundo e
do Outro” que colocaram nas badanas de A Bagagem do
Viajante” publicado em 1973 pela Editorial Futura.
Saramago lembrava-se da citação panegírica. Gostara, mas a escolha não tinha sido dele, porque, as badanas, normalmente, são da responsabilidade dos editores.
Saramago lembrava-se da citação panegírica. Gostara, mas a escolha não tinha sido dele, porque, as badanas, normalmente, são da responsabilidade dos editores.
Servidos dos
comes e bebes que à tasquinha de São Pedro do Sul nos levara, cada um partiu
para seu lado e à despedida o Saramago disse que daí a pouco estaria no Centro
do Livro e do Disco para uma sessão de autógrafos e poderíamos conversar
um pouco mais.
Sim, porque naquele tempo, Saramago ainda não tinha extensas filas de leitores para obterem autógrafos, e havia alguns tempos mortos.
Da conversa com
José Saramago retenho todos os pormenores, até da luminosidade do cair daquela
tarde de Setembro consigo lembrar-me.
Obviamente as despesas da conversa foram de Saramago, limitando-me a beber as palavras claras daquele conversador nato.
Tirando o meu pai nunca mais encontrei um conversador como ele e, estou bem certo, não mais encontrarei.
Obviamente as despesas da conversa foram de Saramago, limitando-me a beber as palavras claras daquele conversador nato.
Tirando o meu pai nunca mais encontrei um conversador como ele e, estou bem certo, não mais encontrarei.
Cito Cecília
Meireles: «Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos
ferem e nem cicatrizes deixam. Mas há pessoas que, simplesmente, aparecem em
nossa vida e que marcam para sempre...»
Comprei “ O Ano de 1993”, edição da “Futura” e José Saramago nele deixou escrito:
Comprei “ O Ano de 1993”, edição da “Futura” e José Saramago nele deixou escrito:
“Na Festa do
Avante 77: Saudade!”
É isso: saudade.
Nunca mais fui a
uma sessão de autógrafos do José Saramago.
Quando em 1987,
a Caminho publicou O Ano de 1993, com as lindíssimas ilustrações da
Graça Morais, ainda ponderei ir pedir a José Saramago um autógrafo para aquela
edição.
Mas, mesmo não concordando de todo com a recomendação de Cesare Pavese, de que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes, foi isso que acabou por suceder.
E, de mim para mim concluí, que importante, importante era o autógrafo daquele Setembro de 1977, que fez de mim um tipo feliz.
Mas, mesmo não concordando de todo com a recomendação de Cesare Pavese, de que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes, foi isso que acabou por suceder.
E, de mim para mim concluí, que importante, importante era o autógrafo daquele Setembro de 1977, que fez de mim um tipo feliz.
Ainda hoje sinto
essa felicidade, o afecto, cumplicidades silenciosas, coisas simples que nos
emocionam até aos limites da ternura.
Mais não digo,
porque não sei como fazer.
Hemingway dizia
que uma palavra a mais mata qualquer história.
Legenda: capa de O
Ano de 1993 publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria
de José Manuel Mendes.
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