De Faro, a 18 de
Abril de 1953, António Ramos Rosa escreve a Jorge de Sena:
Alguma coisa que está longe de ser modéstia e é ancestral timidez,
comodíssima, leva-me a preferir o gosto lavado do leitor obscuro que muito
tempo fui, e afinal continuo a ser, às vaidades do nome impresso de que já me
comecei a aborrecer. Assim é que uma contradição se arraiga em mim entre o
suposto crítico que fui levado a ser por imposições amigas, o suposto
entendedor de poesia que gostaria de ser e só por cintilações intermitentes
possivelmente sou, e aquele comodista e sequioso leitor que incorrigivelmente
continuo a ser e para quem certos nomes funcionam perfeitamente como deuses,
como outrora na minha infância funcionavam as fotografias dos jogadores e
corredores que eu recordava dos jornais e com os quais organizava desafios e
corridas, estas, por sinal, com um capacho de abanar… Ora, parece, as tentativas
para que eu funcione como um deus, não têm dado qualquer resultado até aqui… A
felicidade para mim, ou pelo menos uma forma dela, consistiria em possuir uma
riquíssima biblioteca e passar os meus dias a ler tranquilamente o melhor que
se publicasse no planeta… Eu hoje já não sei viver sem esse estímulo e a cor do
dia, uma certa espontaneidade, um certo à vontade, a graça, podem ser
produzidos por um verso, um período de filosofia, um apontamento sociológico,
um ensaio sobre poesia. Quando me falta a leitura, falta-me tudo. Talvez porque
tudo me tem faltado e eu já não tenho coragem senão para pensar em substituição
O que é terrível, não acha?).
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