sexta-feira, 30 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 É melhor sermos odiados pelo que somos do quer sermos amados pelo que não somos.

André Gide

CONVERSANDO

Velhas histórias.

Corria o Agosto do ano de 2013.

Uma ricaça da treta, filha do Jorge e da Kiki Espírito Santo, disse ao Expresso gostar de ir para a herdade, que a família Bessalgado tem na Comporta porque tem a possibilidade de brincar aos pobrezinhos.

 Acabou por pedir desculpas, utilizando o velho paleio de que o que disse ao jornalista foi, por este, descontextualizado.

 Esta gente pornográfica, indigna, cheia de dinheiro mas sem miolos, sem carácter, sem valores, que não sejam os que lhe vêm do metal sonante, deviam ficar reduzidos ao espaço do nojento glamour em que, diariamente, chafurdam.

 Que tenham as suas vidas de merdaocridade, mas deixem-nos em paz…

 Há uma peça de teatro em que Karl Valentin pergunta: E Não se Pode Exterminá-los?

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 A criação poética é um mistério indecifrável, como o nascimento do homem. Ouvem-se vozes, não se sabe de onde, e é inútl preocuparmo-nos em saber de onde vêm. Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas.

Federico Garcia Lorca

NÃO GOSTO DE APARELHÓMETROS


Ficou dito que haveria um retorno à autobiografia deWoody Allen.

E aqui estamos na página 97:

«Harlene e eu vivíamos com os nossos pais e eu telefonava-lhe todas as noites. Fazíamos o que fazem os casais de namorados. Já agora, por essa altura, tinha carro. Adquirira um descapotável Plymouth de 1951 por seiscentos dólares. Tinha alimentado fantasias grandiosas de como um carro iria mudar a minha vida. Libertar-me-ia; poderia conduzir sobre a ponte para Manhattan sempre que quisesse, escapar para Long Beach para visitar velhos poisos nostálgicos, ir até Connecticut numa manhã de primavera para comungar com a natureza. Não faço ideia em que raio estaria eu a pensar; odiava a natureza e, mais do que a natureza, odiava ser dono de um carro. Como todos os objectos mecânicos, tornámo-nos imediatamente arqui-inimigos. Não gosto de aparelhómetros. Não tenho relógios, não ando de chapéu de chuva, não sou dono de câmaras ou gravadores e até hoje preciso da minha mulher para me ajustar o aparelho de televisão. Não tenho computador, nunca me aproximei de um processador de texto, nunca mudei um fusível, enviei um e-mail a alguém ou lavei um prato.

Sou um desses velhos baralhados que neceessitam que lhe inutilizem todos os botões da televisão com fita-cola para que possa usar apenas o botão de ligar e desligar, e os do volume.»

Woody Allen em A Propósito de Nada

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

OLHAR AS CAPAS


Defesa Sem Controle

Mickey Spillane

Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues

Capa: Lima de Freitas

Colecção Vampiro nº 241

Livros do Brasil, Lisboa s/d

O tipo podia considerar-se morto e sabia-o. Encolhido no chão, numa trouxa informe, só o rosto ensanguentado, de olhos ainda duros e brilhantes, o identificava como homem.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

NOTÍCIAS DO CIRCO

A senhora Lagarde disse hoje de manhã que a esmola que o governo de António Costa deu aos portugueses é um erro.

Não percebi se vai dar cabo das finanças do Banco Central Europeu, ou se vai transformar numa enorme dor de cabeça para o Fernando Medina. 

Aliás eu não percebo nada do que os políticos economistas dizem. 

Nunca percebi e não seria nesta idade que iria perceber…

Vou voltar ao gin-tónico. Antes isso do que andar a ouvir os comentadores televisivos que a Itália é uma democracia e que os povos têm sempre razão!... ah! e que agora o novo aeroporto, seguindo a convergência Costa/Montenegro  vai ser em Santarém.

Que dirá Carlos Moedas que afirmou que o novo aeroporto deveria ser perto de Lisboa?

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O QUE RESTA DA ESQUERDA?

Uma segunda-feira de Outono é um óptimo dia para pegar na autobiografia do Woody Allen, mas acabei por passar pelo Café do Monte e fiquei a ouvir a Ana Cristina Leonardo, o Woody fica para amanhã, ou depois, ou depois:

 «Ler as declarações sobre a responsabilidade da chamada direita tradicional no avanço galopante da extrema-direita torna-se doloroso.

Sem soluções alternativas, a esquerda agoniza há anos ligada ao balão de oxigénio dos chamados temas fracturantes e identitários que, na realidade, inventam mais problemas do que soluções.

Eu vivo numa aldeia mínima, isolada e envelhecida, com meia dúzia de pessoas. No concelho inteiro não se vendem jornais. Em caso de urgência, o hospital mais próximo fica quase a 100 quilómetros.

Entretanto, há casais de lésbicas a viverem juntas na mesma casa, umas nacionais, outras estrangeiras. Há homossexuais. Ninguém quer saber disso para nada. Como dizia a outra, desde que não o façam na rua nem assustem os cavalos.

Quanto ao racismo, confirmei aquilo que já sabia: os suspeitos do costume são os ciganos, embora passem meses e meses sem que se veja um cigano. Já ao marroquino que vem de Espanha e buzina quinzenalmente a vender roupa fazem-lhe uma festa.

Os poucos jovens querem-se pirar daqui. Não há empregos.

Os poucos empregos que existem dependem da Câmara, do Lar /Misericórdia, e dos Bombeiros. Não há transportes. É um marasmo. Um dos peixeiros desistiu de cá vir. O homem que vendia carne, avariou-se-lhe a carrinha e os poucos bifes que vendia não compensavam o custo do arranjo. Arrumou as botas e os enchidos.

Eu gosto do sossego disto porque estou a ficar velha e já viajei um bocado. Mas mais velha e certamente mais aburguesada do que eu está a esquerda.»

domingo, 25 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


O Senhor meu pai, que tinha mestrado e doutoramento na matéria, costumava dizer: «Deus Marcus Rá seja louvado, nunca impedi animal algum na sua procriação.» 

DORMIR É O CÚMULO DA GENIALIDADE

Um domingo de Outono é um óptimo dia para pegar no livro que Álvaro Magalhães escreveu sobre Manuel António Pina, poeta, jornalista, príncipe que foi:

«A ciência autoriza-nos a olharmos para os sonhos como uma espécie de treino da nossa actividade, ou seja, da capacidade de estabelecer todo o tipo de ligações surpreendentes. Kierkgaard dizia: dormir é o cúmulo da genialidade. De facto, quando o tenso córtex pré-frontal desliga, ficamos expostos a uma abundância de ligações inesperadas e ideias estranhas. A maioria delas não passa de trapalhada surreal. Mas, se tivermos sorte, encontramos as nossas respostas a meio da noite. E Pina não duvidava disso. Dizia ele: «Durmo com uma folha e uma caneta debaixo da almofada e a meio da noite quando me ocorre algo escrevo à escuras.»

 Era de noite que a criação mais chegava a Pina, quando a mulher, as filhas, os gatos estão a dormir e eu fico sozinho e em silêncio.

«No fim de contas, o meu trabalho durante o dia é tentar verificar como é que certas coisas escritas à luz da noite suportam a aluz do dia. É como ver como é que as namoradas são quando acordam.»

sábado, 24 de setembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Voltamos aos Sublinhados Saramaguianos.

O último foi publicado no dia 29 de Julho e aproveitava a boleia de um número da Visão Biografia em que é feito um Memorial da Sua Vida.

Há dias publicámos aqui no Cais a fotografia de um VW carocha tirada perto do Restaurante Mattos.

Voltamos à revista Visão Biografia para aproveitar uma referência ao Restaurante Mattos, tirada da entrevista que Pedro Dias de Almeida fez ao editor Zeferino Coelho.

Assim:

«Quando chegava a Lisboa íamos muitas vezes jantar ao Mattos, um restaurante, ali ao pé da Avenida de Roma, onde ele pedia uma posta de bacalhau assado.»

Por uma outra referência no José Saramago Rota de Vida de Joaquim Vieira, existe um outro episódio contado por Esmeralda Cardoso e Silva, uma trabalhadora da Editorial Caminho:

«Ele gostava muito de bacalhau, e a Pilar nos últimos anos queria que ele fosse vegetariano. Ele quando cá vinha dizia ao Zeferino “Marca lá um jantar na Varina da Madragoa para comer um bacalhau.»

Não coloco dúvidas o quanto Pilar del Rio ajudou o viver de José Saramago.

Quem viu o longo documentário (125 minutos) «José e Pilar» de Miguel Gonçalves Mendes, poderá constatar isso e algo mais.

Não gosto particularmente do documentário, acima de tudo porque revela, nos tempos finais de vida de Saramago, um exagero de viagens, colóquios, sessões de autógrafos e que revelam o evidente cansaço de que Saramago dava sinais.

Pilar terá, um dia, dito que a melhor comida do mundo é ovos com batatas, porque é a comida dos pobres.

Ainda o livro de Joaquim Vieira:

«Saramago reconhecia a hegemonia da mulher na sua vida, e chegava mesmo a afirmar (mantendo a dúvida se ironizava ou não): «Uma sugestão da Pilar é uma ordem».

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO

- Há o lobo – diz Duc. – O lobo é soberano, o cão não é soberano. Abdicou da soberania a favor do dono.

Roger Vailland em Fim de Semana

QUOTIDIANOS


 Assistir à chegada do Outono enfrentando uma temperatura de perto de 30º.

O Outono passeando-se na rua disfarçado de Verão.

O Outono visto por Robert Walser numa tradução de Cristina Fernandes:

«Quando o Outono chega, as folhas caem das árvores para o chão. Aliás, devia dizer: quando as folhas caem, é Outono. Preciso de melhorar o meu estilo. Na minha última redacção escreveram: estilo lamentável. Acho isto preocupante, mas não consigo mudar. Gosto do Outono e pronto. O ar fica mais fresco, todas as coisas sobre a terra parecem de repente tão diferentes, as manhãs são fulgurantes e esplêndidas e as noites deliciosamente frias. Mesmo assim, passeamos até muito tarde. Sobre a cidade, a montanha apresenta cores bonitas, e é triste pensar que elas já anunciam o seu próprio desaparecimento. Em breve vai andar neve pelo ar. Também gosto da neve embora seja desagradável vaguear por aí com os pés frios e molhados. Mas então para que é que servem as pantufas quentes e fofas e a casa aquecida? Só tenho pena das crianças pobres que, eu bem sei, não têm a casa quente. Como deve ser horrível andar às voltas sempre gelado. Não seria capaz de fazer o meu trabalho de casa, morreria, sim, sem dúvida alguma morreria se fosse pobre. Como estão as árvores! Os seus ramos ferem o ar cinzento como punhais afiados e vêem-se corvos, o que raramente acontece. Deixa de se ouvir o canto dos pássaros. A natureza é qualquer coisa. O modo como se veste de novas cores, muda de roupa, põe e tira máscaras! Esquisito. Se fosse pintor, o que não está fora de questão, pois ninguém sabe o seu destino, muito gostaria de ser um pintor do Outono. O meu único receio é que as minhas cores não estejam à altura. Talvez ainda saiba demasiado pouco sobre o Outono. Mas para quê preocupar-me com algo que ainda não aconteceu? Ao fim e ao cabo é ao presente que me devo dedicar. Onde é que já ouvi isto? De certeza que já ouvi estas palavras em algum lado, possivelmente ao meu irmão mais velho que anda na universidade. Daqui a pouco é Inverno, a neve cairá em torvelinhos, oh, estou tão ansioso por isso! Quando tudo fica completamente branco, estudamos muito melhor. As cores podem atrapalhar a nossa memória. As cores são um caos delicioso. Gosto de coisas de uma só cor, de uma só tonalidade. A neve é uma canção bastante monótona. Porque é que uma cor não nos há-de tocar como uma canção! O branco é um murmúrio, um sussurro, uma prece. As cores de fogo, como estas do Outono, são gritos. O verde do pino do Verão é uma canção para várias vozes no tom mais agudo. Será isto verdade? Não tenho a certeza se está certo. Bom, o professor terá a amabilidade de me corrigir. — Tudo no mundo parece voar! O Natal já está à porta, daqui ao Ano Novo é um saltinho e daí à Primavera outro tanto, tudo avança, passo a passo. Seria de tolo querer contá-los. Não gosto de números. Sou mau a matemática embora as minhas notas sejam razoáveis. Nunca serei um homem de negócios, desconfio. Por isso os meus pais não me puseram a praticar. Eu fugiria e com que é que eles ficariam? Mas, já falei o suficiente sobre o Outono? Escrevi umas coisas sobre a neve. Isso vai dar uma boa nota na minha caderneta. As notas são uma invenção estúpida. Tive um "A" em canto e não sei cantar uma nota. Então como é? Deveriam dar-nos maçãs em vez de notas. Mas, depois, acho eu, teriam que distribuir tantas maçãs. Oh!

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 Contra capa de Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra. 

Mais um livro admirável de Mia Couto.

Com o corer dos dias irei transcrevendo outras passagens do livro. Mas repito a frase que faz parate da citação do apresentar do livro:  «Todos aqui estão morrendo não por doença, mas por desmárito de viver.»

Gosto muito deste «desmérito de viver».

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

OLHAR AS CAPAS

Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Maio de 2021

Estas cartas, Mariano, não são escritos. São falas. Sente-se, se deixe em bastante sossego e escute. Você não veio a esta ilha para comparecer perante um funeral. Muito ao contrário, Mariano. Você cruzou essas águas por motivo de um nascimento. Para colocar o nosso mundo no devido lugar. Não veio salvar o morto. Veio salvar a vida, a nossa vida. Todos, aqui estão morrendo não por doença, mas por desmérito do viver.

Colaboração de Aida Santos

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

OLHAR AS CAPAS


O Caso do Cadáver Fugitivo

Erle Stanley Gardner

Tradução: Mascarenhas Barreto

Capa: Lima de Freitas

Colecção Vampiro nº 157

Livros do Brasil s/d

Della Street, secretária particular de Perry Mason, entrou no gabinete do advogado e anunciou:

-Estão ali duas senhoras que desejam falar-lhe com urgência.

- A respeito de quê, Della?

- Não quiseram dizer a uma simples secretária.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

UMA GARRAFA DE CHAMPANHE QUASE CHEIA...

Pousou as mãos no corpo dela e procurou desajeitadamente os botões. Ela afastou-o, impassível; tinha os olhos fechados na penumbra e os lábios tensos. Virou-lhe as costas e, com um movimento rápido, desapertou o vestido, que lhe caiu, amarrotado, aos pés. Os braços e os ombros ficaram nus; ela estremeceu de frio e, numa voz inexpressiva, disse:

– Vai para a sala. Eu despacho-me num minuto.

Ele tocou-lhe nos braços e encostou-lhe os lábios ao ombro, mas ela não se virou.

Na sala, William observou as velas que tremeluziam sobre os restos do jantar, entre os quais se encontrava a garrafa de champanhe, ainda quase cheia. Serviu-se de uma taça e provou a bebida; estava quente e adocicada.

Quando voltou para o quarto, Edith estava na cama com as cobertas puxadas até ao queixo, o rosto virado para o tecto, os olhos fechados, uma ruga fina na testa. Silenciosamente, como se ela estivesse a dormir, Stoner despiu-se e enfiou-se na cama ao lado dela. Durante um tempo, ficou deitado com o seu desejo, que se tornara uma coisa impessoal, que lhe pertencia exclusivamente. Falou com Edith, como que para arranjar um porto de abrigo para o que sentia; ela não respondeu. Pousou a mão no corpo dela e, por baixo do tecido fino da camisa de noite, sentiu a carne por que tanto ansiara. Moveu a mão; ela não se mexeu e a sua ruga tornou-se mais funda. Ele falou novamente, dizendo o nome dela no silêncio. Depois, moveu o corpo para cima do dela, suavemente, apesar da falta de jeito. Quando lhe tocou na macieza das coxas, Edith virou a cabeça abruptamente para o lado e levantou o braço para cobrir os olhos, reduzida a uma mudez total.

John Williams em Stoner

domingo, 18 de setembro de 2022

CONVERSANDO

A frase do «Escrito na Pedra» do Público de 9 de Setembro pertencia ao empresário Rui Nabeiro:

«Parto sempre do princípio de que todas as pessoas são boas trabalhadoras. É preciso é saber motivá-las».

Não é apenas uma frase, é o exemplo de toda uma vida.

Olha-se a pessoa e vê-se um homem bom, olha-se o trabalho como empresário dos «Cafés Delta» e nota-se que é com a sua filosofia que conseguiu construir uma das mais prósperas empresas portuguesas.

Se quiserem saber algo mais, leiam a autobiografia de Rui Nabeiro que José Luís Peixoto desenhou com o título «Almoço de Domingo»

Olham-se outros empresários deste país e ficamos a saber as reais diferenças que os distanciam do exemplo de Rui Nabeiro.

A maior diferença existe nestas palavras: é preciso motivar os trabalhadores.

São múltiplas as razões para que possa dizer que Delta é um excelente café.

sábado, 17 de setembro de 2022

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Os ANOS FUTUROS

«Em outubro, todos os pensionistas com prestações até 5318 euros, isto é, 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que está nos 443,2 euros, vão receber mais meia pensão. Mas, em contrapartida, terão um corte na base de cálculo da atualização regular das reformas em 2023. No final das contas, não haverá efetivamente um ganho no longo prazo. Pelo contrário, em 2024, os pensionistas da Segurança Social, com uma prestação média de 501,77 euros, vão perder 252 euros, no conjunto do ano, ou 18 euros por mês, e os beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (CGA), com uma reforma média de 1341,99 euros, terão uma redução de 672 euros anuais ou de 48 euros mensais.

Para o próximo ano, como contrapartida do bónus pago em outubro, que vai custar ao cofres do Estado mil milhões de euros, o governo decidiu cortar na atualização regular das prestações, que é calculada tendo em conta o crescimento médio do PIB nos últimos dois anos e a inflação apurada em novembro. Assim, até 886 euros, o aumento que seria de 8% baixa para 4,43%; entre 886 e 2659 euros, a subida prevista de 7,64% passa para 4,07%; e, entre 2659 euros e 5318 euros, a atualização que seria de 7,1% desce para 3,53%. A proposta ainda precisa do aval da Assembleia da República, mas a aprovação está garantida pela maioria absoluta socialista.»

Salomé Pinto no Diário de Notícias

AGNÉS VARDA

"Há em Agnès Varda uma poética que se confunde com uma política do quotidiano. Interessa-lhe tudo o que, a um olhar mais desatento, não tem interesse, interessa-lhe o que dificilmente se vê, o resíduo, o rejeitado ou marginalizado, a pequena história, interessa-lhe interrogar a singeleza dos objetos pessoais ou desconhecidos que nos contêm ou nos rodeiam", assim descreve António Preto, diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (CCMO), a essência da ação "amadora" da belga que se radicou em França, aí deixando a sua pegada artística. O texto intitula-se, muito adequadamente, Elogio da Curiosidade, e está no livro Agnès Varda: Luz e Sombra, um belíssimo volume bilingue que acompanha a exposição patente no Porto até janeiro de 2023.

CARLOS III

Não é um rei consensual.

Após a morte de Isabel II alguns países da Commonwealth sair.

O rei enfrenta outro tipo de problemas com a Escócia, Irlandas e País de Gales.

QUESTÕES DE SAÚDE

Hospitais do Porto e de Lisboa têm casos de idosos que ficaram mais de um ano à espera de respostas. Sem condições para voltarem a casa, utentes ocupam centenas de camas no SNS.

Entram nos hospitais por questões de saúde, mas ficam internados meses a fio sem necessidade, por falta de vaga em lar ou em cuidados continuados. Regra geral, são idosos vulneráveis, com parcos recursos e sem retaguarda familiar que lhes permita regressar a casa.

CAFÉ DO MONTE

«Desde que o avanço dos ucranianos e o recuo das tropas russas foi anunciado e confirmado, anda muita gente a cantar vitória antes de tempo, ou seja, antes do Inverno.

As últimas notícias, por muitos festejadas, dão conta de que Putin andaria a levar porrada lá na terra dele, na consequência do desaire militar que já vi comparado, confirmando a pauta sempre hiperbólica dos hinos guerreiros, ao desembarque dos Aliados na Normandia (e escusado será lembrar, invertendo a ordem dos factores da frase de Clemenceau: a música militar está para a Música como a justiça militar está para a Justiça). »

Ana Cristina Leonardo em Meditação na Pastelaria

MAIS AJUDA

Os Estados Unidos vão enviar uma nova remessa de armamento e de munições para a Ucrânia, desta vez no valor de 600 milhões de dólares (sensivelmente a mesma quantia em euros), anunciou o Pentágono na madrugada desta sexta-feira. Desde o início da invasão russa, há quase sete meses, o Congresso norte-americano já desbloqueou 15,1 mil milhões de dólares para ajuda militar à Ucrânia — mais de seis mil milhões só nas últimas seis semanas.

Contra as expectativas do Presidente ucraniano, Zelensky, o novo pacote ainda não inclui o sistema de mísseis de longo alcance MGM-140 (conhecido pelo acrónimo ATACMS), com o qual o Exército da Ucrânia poderia atingir alvos a 300 quilómetros de distância.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

OLHAR AS CAPAS


Viola Interdita

Manuel Alberto Valente

Capa: Armando Alves

2 desenhos de José Rodrigues

Colecção de Poesia nº 1

Edição de Autor, Porto, 1970

 

Conversa Com Fernando Pessoa no Martinho

 

A casa continua como quando aqui paravas.

Talvez sejam os mesmos que agora a povoam

destas conversas sonolentas e cruzadas.

Ali ao longe o rio persiste em navegar

e só as águas envelheceram. O resto é

a cidade   quer dizer   o nevoeiro

que quando desembarcaste. Fala-se na esperança

e acredita-se no medo. O resto é a cidade

que cantaste e te desconheceu

e ainda desconhece os que procuram

o violino de palavras que criaste.

NOTÍCIAS DO CIRCO

O Conselho de Ministros português aprovou, ontem, o decreto que declara três dias de luto nacional pela morte da Rainha Isabel II.

Diz o nosso governo que a Rainha Isabel II marcou «profundamente» a segunda metade do século XX e o primeiro quartel do século XXI.

Sempre entendi a Rainha como um mero bibelot de um país que adora a monarquia, esquecendo, ou fazendo por esquecer, o que a monarquia lhes tem custado.

Tirando a colecção de chapéus que usou em vida, a figura da Raínha é de uma vulgaridade que em nada influenciou o mundo em que viveu, se exceptuarmos a colecção de chapéus que usou em vida, mas por chapéus são bem preferíveis os queAudrey Hepburn Sou, em Ascott, no filme My Fair Lady.

Para outra excentricidade da coroa britânica, cite-se que o The Guardian noticiou que 100 funcionários da Clarence House, a antiga residência do rei, tinham os seus empregos em riscos.

Segundo o jornal britânico, os funcionários foram notificados de que podiam perder os seus empregos após o rei e a rainha consorte se mudarem para o Palácio de Buckingham, residência oficial dos monarcas na capital. O jornal adiantou ainda que os trabalhadores não são representados por nenhum sindicato.

Numa altura em que o Reino Unido ainda se encontra num período de luto, o Sindicato dos Serviços Públicos e Comerciais descreveu a situação sobre os cortes de postos de trabalho neste período conturbado como «nada menos do que insensível».

Deus Salve o Rei!

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

QUOTIDIANOS

«Detesto dinheiro. A sério. Acho o dinheiro das coisas mais sujas nesta vida. Por isso me encarrego de dar cabo dele assim que tenho algum. As pessoas doentes por dinheiro enervam-me. Enervam-me ainda mais as que não se contentam em zelar pelo que têm ou deixam de ter, mostrando-se deveras preocupadas com o modo como os outros gastam o que é seu. Nunca me preocupei com o dinheiro dos outros e, tanto quanto me é possível, faço por não me preocupar com o pouco que é meu dando cabo dele quanto antes. Só há um vício pior do que a avareza, é ser-se sovina pelo que é dos outros e não seu».

 HMBF em Antologia do Esquecimento

A CARNE AGARRADA AOS OSSOS

Deitei a tarde pela janela e fiquei só
com a linha onde a luz se suspendeu
num tom rosado, tão calmo, quase
artificial neste fim de Abril, a descer sobre
o azul da minha voz. Pus-me a fumar
por cima de um caderno, enchendo
e virando páginas, um punho a apoiar
este rosto agarotado e um dedo
passando pela boca que há muito
não se embeiça por sentidos razoáveis.

Não sei se tentava voltar aos braços
de alguma remota ilusão, se me fiquei
por um circuito de estilhaços ou qualquer
outra lesão silenciosa. Mais óbvios
todos os destinos, dói mais ao princípio:
ver como os dias vão saindo repetidos. E daí,
a repetição talvez seja só eu, esta pequena
intriga ou vago remorso que me escreve.

Não era como se tivéssemos muito
a esperar das ruas, mas saímos
e depressa demos com o labirinto de excessos
na noite que o corpo nos exigia. Os dois
à boleia do tempo, juntando mais
umas horas a esta idade que tresanda já
a maus hábitos, paixões sem interesse
e fantasias voltando a casa destruídas,
cada vez menos e menos inocentes.
Por aí a imaginação perdia
toda a confiança, dócil, foi-se ajoelhando
e enfrentou confissões ordinárias,
sepultando os sorrisos
que nos caíram entre os lábios.

Esquecemos tantas outras vidas.
Sentados de costas para a entrada,
no Saloio da 24, insististe que a vidinha,
enfim, lá tinha dado connosco. E que lugar
tão triste para o admitirmos, entre a fatia
de pizza, o rissol e os copos de plástico
que não foram suficientes para afastar-nos
da razão, nem sequer distrair os sinónimos
que chegam, às vezes, demasiado cedo,
quando o coração é um ódio
tão natural, uma forma de pedir
que não contem mais connosco.

Um tudo-nada comovidos, aguentou-nos
um silêncio que também já não era só nosso.
Arrumados para estatísticas:
eu levando um curso aos chutos vai agora
para uns cinco anos, e tu, diplomado
e num primeiro emprego, a seres pago
para gastares com a infelicidade
as incertezas que te restam. Os dois,
como é normal, mimando e entretendo
a carne agarrada aos ossos.

Diogo Vaz Pinto em Resumo: a poesia em 2009

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 O que há de belo no cinema é a parte da vida e o que há de belo na vida é a parte do cinema.

 Jean-Luc Godard

Legenda: cartaz do filme Vivre sa Vie de Jean-Luc Godard, 1962.

OLHAR AS CAPAS

Marcada a Fogo

Bem Benson

Tradução: Mascarenhas Barreto

Capa: Luís de Freitas

Colecção Vampiro nº 173

Livros do Brasil, Lisboa s/d

Pouco depois das dez horas dessa segunda-feira de agosto, seguia ao volante do carro-patrulha nº 51, pela National 2, a oeste de Concord, Massachusetts. À minha frente, tinha a lista dos veículos desaparecidos, durante o último fim-de-semana, e procedia à verificação dos números dos carros que se cruzava, com o meu. Devo confessar que o fazia maquinalmente, pois o meu espírito estva preocupado com outra coisa. Com efeito, pensava no meu próximo casamento, marcado para o princípio de Setembro, e perguntava-me a quantos dias de férias teria direito.

OS ITINERÁRIOS DO EDUARDO

 

O Eduardo gostava de cinema, gostava de fitas, como gostava de dizer.

Se ainda andasse aqui ao nosso lado, a morte de Godard não o deixaria indiferente.

O itinerário que hoje vou buscar faz parte de É Assim Que Se Faz a História, concretamente um fragmento comentado de uma carta, que também é uma dedicatória.

«Quase agarravas as nossas austrálias, e o tempo perdido, quando te juntavas a tipos com free man escrito nas costas e ouvias o locutor do Europe 1 perguntar: Porque vêm aqui? Respondias com eles: yes! yes! Falavas, claro, de Obaldia, Boris Vian e, sempre, de Godard. Et maintenant, le cinema c’est Jean-Luc Godard, dizia Aragon. Tu comentavas: foi a coisa mais acertada que disse até hoje. Mas o tempo era de escuridão total: as trevas.»

Eu repito: sim, aquele tempo era de escuridão e trevas.

CABOTINO E IRRITANTE

Em quase tudo sou um poço de limitações.

Apesar de começar, desde miúdo a ver filmes nas cadeiras de pau do Cinne-Oriente, é basto vasta a minha ignorância cinematográfica.

Se exceptuar os extraordinários O Acossado, Viver a Sua Vida, Pedro, o Louco, nunca me constituí um godardiano.

Augusto M. Seabra no Público de 6 de Dezembro de 2018:

 «Sendo indubitavelmente um dos autores maiores da arte cinematográfica, Jean-Luc Godard não deixa de ser muitas vezes cabotino e irritante. Mas também sucede ser magnífico, de uma beleza convulsiva como em O Livro da Imagem.»

VIVO BEM SEM A RAÍNHA ISABEL II?

«Uma autopromoção de um programa da rádio Observador na sexta-feira perguntava: "Como vamos viver sem a Rainha Isabel II?". Depois deixava um número de telefone a convidar os ouvintes a discutir tal putativa orfandade com os jornalistas José Manuel Fernandes e Helena Matos. Esta pequena vaga do maremoto mediático que se seguiu ao falecimento, na véspera, da monarca britânica, com uma torrente de jornalistas, comentadores, historiadores e diplomatas portugueses a lançar ondas e ondas de relatos, comentários e textos sobre o tema, numa inundação asfixiante que se vai prolongar, pelo menos, até ao dia do funeral da monarca britânica (e para o qual, de resto, também contribuo), deixou-me perplexo.

A pergunta colocada pelo Observador pressupõe que eu, cidadão português, não-britânico, eleitor de uma República que gritou na versão original do seu hino "contra os bretões, marchar!, marchar!", devo sentir a falta da rainha Isabel II?

Que mecanismos criam esta expectativa de simpatia lusitana para com a mãe do agora Carlos III?

(…)

Esta atração de tantos jornalistas portugueses pela monarquia inglesa, este encanto pela "ideia agradável" de ver uma família no trono, este sentimento de perda de uma "mãe da nação" (que não é da nossa nação) pressupõe uma disposição para a aceitação de um domínio aristocrático desse tipo para Portugal, de vontade de adoção de um sistema com "partes dignas" que sirva de "disfarce" para a impopularidade das "partes eficientes" da governação, de redução do poder popular (e mesmo da classe média) nas instituições da nossa democracia.

Esta cumplicidade com a monarquia britânica que tantos jornalistas portugueses proclamam, mesmo inconscientemente, é conivente com a ideia de retirar poder aos mais fracos para fortalecer o poder dos mais fortes.

Por mim vivo bem sem a rainha Isabel II, uma pessoa respeitável e com evidentes méritos, mas que foi peça de um mecanismo de perpetuação de privilégio da classe aristocrática o que, para mim, é inaceitável por ser a eternização de um sistema onde uma parte da humanidade, por direito de linhagem, explora outra parte da humanidade. Isso chama-se injustiça.»

 

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

terça-feira, 13 de setembro de 2022

JEAN-LUC-GODARD (1930-2022)


Morreu Jean-Luc-Godard.

 Terá decidido tudo, inclusive a sua própria morte.

«Para o realizador que acreditava que o cinema era algo que estava entre a arte e a vida, decidir a hora da morte era o mais acertado a fazer. Afinal, foi Godard que, perante a pergunta “qual é a sua maior ambição na vida?”, respondeu: “Tornar-me imortal… E depois morrer. Conseguiu.» 

PAPÉIS DATADOS


Quando Marilyn Monroe morreu, tinha ele 17 anos.

Súbita e violentamente leu a notícia na 1ª página de O Século, numa esplanada de praia na Trafaria.

Tinha do cinema a ideia daquela feira de luzes e espantos, captada na plateia de pau do Cine-Oriente. Os filmes eram com e não de, e Marilyn, doce Marilyn, outras mais, constituíam as paixões platónicas, os anos da inocência, o bater mais apressado do coração. Quero permanecer apenas na fantasia do homem comum. Só muitos anos depois iria apreciar os dotes de artista daquela loira burra, como então muitos lhe chamavam.

O cinema é um mundo enorme de gente, um todo em que não se consegue saber onde está a ponta do novelo. Mas que seria o cinema sem Marilyn Monroe?

Foi em 5 de Agosto de 1962, uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha ou suspeitou que tinha errado a vida, para citar o belíssimo poema de Ruy Belo sobre a morte de Marilyn, um telefone que tocou em busca de ajuda, que alguém ouviu, sabia quem era, mas não quis atender.

Meses antes cantara para John Kennedy “Happy Birthday Mr. President”. Nem precisa de olhar a fotografia para reconstituir a performance daquela noite, a apresentação feita por Peter Lawford, depois o sussurro mais sensual de que há memória num happy birthday, aquela silhueta na noite, aquele vestido cingido ao corpo, que em Outubro de 1999, foi vendido por 1,26 milhões de dólares num leilão da Christie’s. Provavelmente terá sido aí que se começou a desenhar, o suicídio organizado de Marilyn Monroe e que culminaria na descoberta do seu corpo deitado na cama, a mão a apertar o auscultador do telefone, a tal chamada que alguém não quis atender.

Sou a mulher mais bonita do mundo mas não tenho ninguém com quem sair este fim-de-semana, confidenciou a alguém.

Dez anos de carreira, doze filmes, todos eles memoráveis, inesquecíveis. Fica por saber, não fora a morte brutal, até onde teria chegado Marilyn.

Billy Wilder, esse cínico genial e maravilhoso realizador, disse que Deus deu-lhe tudo e que Marilyn poderia fazer o que quisesse em cinema.

Vinicius de Morais que ela foi um dos seres mais lindos que já nasceram e se há quem disso possa falar, Vinicius estava completamente à vontade.

Irving Berlin confessou um dia que Marilyn Monroe foi a melhor intérprete das canções que compôs.

O actor Robert Mitchum comentou: Ela assemelha-se a uma criança perdida, uma doce criança perdida, uma fragilidade intensa e genuína.

A criança feita mulher, abandonada nas linhas paralelas da passagem de nível sem guarda (as duas linhas de todas as mais paralelas e as mais negras), sem que o medo a deixasse fugir e sem nós conseguirmos gritar-lhe (como nos pesadelos) que se afastasse. Todo o tempo dela foi tempo da morte a vir, como escreveu João Bénard da Costa nos 40 anos da morte de Marilyn.

A minha cabeça vai estoirar.

Os comprimidos não fazem efeito.

Já não sei o texto. A tristeza afoga-me.

Não há ninguém com quem se possa falar.

Daqui a pouco tenho de sorrir.

Sorrir é uma das coisas que faço bem.

Consigo até sorrir com os olhos.

Poucas pessoas conseguem sorrir assim

Marilyn Monroe morreu há 47 anos.

Suicídio? Assassínio?

Sabe-se apenas que a sua morte é uma história mal contada, tal como leu numa crónica do Eduardo Guerra Carneiro: Ainda há estrelas no céu.

(25 de Agosto de 2009)

Legenda: fotografia de Elliot Erwitt

E DE REPENTE É NOITE

Cada um está só sobre o coração da terra

Trespassado por um raio de sol;

E de repente é noite.

Salvatore Quasimodo

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

POSTAS SEM SELO

Talvez estarei mais só sem a minha solidão.

Emily Dickinson

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 Por vezes as contracapas não têm quaisquer indicações.

Assim acontece em Poemas da Cidade de María Jesús Echevarría.

Apenas a continuação da ilustração da capa feita propositadamente para este livro por Maria Malheiro.

Para outras referências há que ir ao miolo do livro, onde encontramos a Nota Final feita pelo tradutor Paulo da Costa Domngos:

«María Jesús Echevarría, nascida em Madrid, em Setembro de 1932, aí veio a falecer, à beira dos trinta e um anos de idade (Agosto de 1963), tendo vivido em Nova Iorque o tempo suficiente para colher a amarga lição que este seu livro testemunha. Precisamente, é a sua experiência como estudante universitária e, em simultâneo, correspondente jornalística, o que aqui lemos transposto em arte. Não devemos, todavia, estender-nos em considerações literárias muito para além do que esta mulher-intelectual nos legou. Versos escritos em tom epistolográfico – e que as respectivas dedicatórias confirmam –, são eles notícia da desumanização e da hipocrisia da grande metrópole, a Grande Maçã podre, capital de um império que se posicionou, após a Segunda Guerra Mundial, como o polícia do mundo. Lírica sobre um cavername de ferro e betão, lírica corrida de asfalto, lírica de um desespero trágico. E mais não digo»

Talvez pudéssemos nós ir um pouco mais adiante, recolhendo, por fora, outros pormenores:

A América vai-se transformando numa decepção sem fim à vista.

Joe Biden arrisca-se a ficar na história dos Estados Unidos, como o pior Presidente de sempre.

Será mesmo possível? 

Depois dos Bushs, do Trump?

Para além de ter feito tudo para provocar a Guerra na Ucrânia, apareceu há umas semanas em conluio com os déspotas da Arábia saudita.

Antes de ser eleito, Biden garantiu aos americanos, e ao mundo, que constituiria a Arábia Saudita como um Estado Pária, mas já apareceu em conversas com toda aquela gente e manifestando-se como um «parceiro comprometido com o Médio Oriente».

Nestes breves poemas de María Jesús Echevarría ressalta parte evidente do que é a grande maçã podre.

 «Dai-me, Senhor, o estrépito, o ruído e a miséria.», lê-se no primeiro verso do poema «Oração da cidade e eu» de Echevarría. 

OLHAR AS CAPAS


Poemas da Cidade

María Jesús Echevarría

Tradução: Paulo da Costa Domingos

Capa: Mariana Malheiro

Ilustrações: Mariana Malheiro

Barco Bêbado, Lisboa, Agosto de 2021

 

Subpoema

 

E tu, monte de trapos.

Boneco, marioneta de um teatro tristíssimo.

Manipanso carregado de terrores

seguindo em fila como um colegial da vida.

 

E tu, como uma vara frágil e antiga.

Feito de angústia, irmão meu.

 

Assustas-me sempre que se atiça

essa chispa fortíssima dos teus olhos,

esse cílio que incessantemente agitas

e esconde a delicada amiba do teu espírito.

 

Sei muito acerca de ti. Fizeram-te

de um raro material branco e brilhante,

verteram sobre ele

a aborrecida obrigação da existência.

Assim, feito de trapos.

Boneco de serradura.

Os teus modos teatrais de papelão

vão ficar em pasta com a chuva

e morrerás em lágrimas.

Ainda que também pudesses morrer de queitude

e somente abrir os olhos

nas Festas à Vida dos outros.

Como os altos e empoeirados monstros

nos esconsos das nossas catedrais.

domingo, 11 de setembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempo

debaixo da terra, sem amigos, sem mulheres.
Confio-te um grande segredo:
As tulipas murchas não reflorescem mais.

Omar El Kahyyam

CONVERSANDO

Essa triste personagem que dá pelo nome de Isabel Jonet, dona do Banco Alimentar Contra a Fome, sucessora-mor das tipas do salazarista movimento nacional feminino, e não sabe, ou não quer dizer,  mais o quê, face à esmola que o governo de António Costa deu aos portugueses, diz-nos que é necessário explicar às pessoas que «Quando se atribui uma ajuda deste tipo, única, é importante fazer uma pedagogia e explicar às pessoas que não podem ir gastar estas verbas todas de uma só vez até porque isso pode ter um efeito que é contrário ao nível da inflação.»

Há manhãs em que lhe apetece enfrascar-se como um velho cossaco.

Mas perde-se a ler jornais antigos. 

Num deles, este final de crónica de Ana Leonardo Coimbra:

«Creio que foi no livro onde se reúnem as conversas travadas entre Marguerite Yourcenar e Matthieu Galey durante longos anos (De Olhos Abertos, Relógio d’Água, 2011) que li, apadrinhada pela autora do extraordinário A Obra ao Negro, a seguinte ideia: temos a obrigação moral de morrer menos estúpidos do que nascemos.

Yourcenar dizia-o, claro, de modo mais sofisticado, decerto mais luminoso. Trata-se de um propósito nobre. Tanto mais nobre, quanto inútil. Porque quando pensamos estar quase, quase, mesmo quase a ficar menos estúpidos (ou seja, mais gregos e socráticos…), Bumm! Crash! Palft! FIM e lá vamos nós navegando Lethes fora com a Ceifeira ao leme.»

QUOTIDIANOS

A morte da Raínha Isabel II inunda os últimos dias e vai prolongar-se.

Ao passar fugazmente pelas televisões, passando os olhos pelos jornais, chegou a pensar se o país onde nasceu, tinha virado monarquia.

São absurdos que não tem mesmo vontade de entender.

Lembra-se do avô que, depois de dizer o nome, sorridente, declarava-se: «republicano histórico, benfiquista e anti-clerical.»

sábado, 10 de setembro de 2022

DAS INGENUIDADES

Oh, como sou ingénuo! Eu a pensar que iria passar uma semana em Marrocos imerso numa religião e cultura diferentes e, afinal, percebi uma vez mais que nada nos separa em lugar nenhum. Como são parecidos todos os humanos, vistam o que vistam, rezem o que rezem, comam o que comam, bebam o que bebam!

Vivemos todos em função das mesmas ambições, dos mesmos medos e até da mesma moral. O que há de diferente entre os vendedores que nos tentam vender gato por lebre num qualquer bazar de Fez e governantes como Fernando Medina ou ex-jornalistas como Sérgio Figueiredo?

E é aqui que entra o pretexto desta crónica, o vinho, bebida necessária para nos apaziguar com o país e o mundo e que, como se sabe, ainda é feita com uvas. Chegou finalmente a hora de as colher, esse momento onírico e vital para os viticultores. Durante dias ou semanas, o mundo cumprir-se-á apenas entre a vinha e a adega. Em breve tudo será uma saudade, mas, por agora, nem a dureza do trabalho, nem a maldade do ano, impedirão a grande festa das vindimas, um parêntesis de alegria no meio de tanta desilusão e vergonha. Quem quer uma tesoura?

Pedro Garcias Público 20 de Agosto

MARCADORES DE LIVROS

 


Colaboração de Aida Santos.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

CONVERSANDO

 Lido não sei onde e apontado na ponta de um guardanapo:

«Uma coisa é uma bebida com sabor a café e outra é o próprio café».

Em que esquina ele deixou a memória que sempre pensou que era de elefante?

O COLIBRI

No interior da flor

palpita uma esmeralda viva.

O colibri esqueceu o seu antigo ninho.

Pedro Barra Y Valenzuela em Rosa do Mundo

(Tradução de Maria Etelvina Santos)

ORGOSOLO, SARDENHA (II)

 






Mais imagens dos grafittis de Orgosolo

FOTOGRAFIAS DE LUÍS MIGUEL MIRA

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

ORGOSOLO, SARDENHA


Já vos disse várias vezes e não me canso de o repetir…

Para os parcos conhecimentos que tenho, em muito contribuiu, ainda assim, o Cinema.

O Cinema levou-me a belíssimos lugares longínquos. Deu-me a conhecer romances, peças de teatro, escritores, músicas e músicos, lugares e factos históricos relevantes, enfim, um sem número de coisas magníficas que depois pude aprofundar, ou não, consoante a vontade e a disponibilidade.

Mas o Cinema não se limitou a abrir-me os olhos…  Ajudou-me também a fechá-los e a sonhar com muitas das coisas boas que algum dia gostaria de fazer na minha vida, tais como poder viajar e conhecer o Mundo.

E quando necessário, o Cinema foi também um fiel companheiro nas horas mais difíceis. Tal como muito boa gente, quantas vezes fui eu ao Cinema para, durante esse curto pedaço de tempo, procurar arejar a cabeça dos problemas e das realidades da vidinha…

Quantas vezes recorri eu a esse porto de abrigo seguro para me proteger das tempestades… 

Quantas vezes levei eu aos lábios essa taça para tentar fazer com que uma embriaguez qualquer me levasse para fora das realidades durante uma hora e meia, ou um pouco mais, se tivesse sorte…

Por muito graves que pudessem ter sido os meus problemas, após  um filme que me tivesse sabido bem voltava sempre à tona da vida com um sorriso no rosto.

Mas sinto que já me estou a desviar demasiado da rota prevista, pelo que haverá que retomar o fio à meada e explicar por que motivo tive eu de evocar o Cinema.

É que não fora o Cinema e muito dificilmente teria ouvido falar de Orgosolo, um lugarejo perdido nas montanhas do maciço central da Sardenha, numa região que se chama Barbaglia. Devido ao seu isolamento e difícil acesso, estas montanhas em torno de Orgosolo foram, durante muitas décadas, local privilegiado para o esconderijo de criminosos, bandidos e foragidos de toda a espécie. 


Foi pela mão de Vittorio De Seta (não confundir com o homónimo De Sica…) que cheguei a Orgosolo.

De Seta é um daqueles bons realizadores que, como Ermanno Olmi, com quem tem algumas afinidades, nunca procuraram os holofotes da fama e sempre foram fiéis a um conceito muito próprio de Cinema, do qual nunca se desviaram.

Siciliano natural de Palermo, estudou arquitetura, mas acabou por dedicar a sua vida a registar para a posteridade os gestos da vida quotidiana de trabalho dos mais pobres e mais desfavorecidos. Os pescadores, os camponeses, os mineiros da Sicília e os pastores da Sardenha são exemplos disso, em documentários de muito curta duração, quase sempre sem palavras para além de um pequeno texto introdutório. Para quem se interessar, encontram-se disponíveis no YouTube.

Em 2015 a nossa Cinemateca dedicou um pequeno ciclo a De Seta, e foi aí que vi pela primeira vez “Banditi a Orgosolo” (1961), a sua primeira longa-metragem de ficção, digamos assim, porque a vertente documental continua a ser predominante.

É um filme belíssimo, desta vez a preto e branco (todos os seus anteriores documentários são a cores), de um neorrealismo tardio, quase todo filmado em exteriores na aldeia e nas montanhas de Orgosolo, com recurso aos próprios habitantes da região, os quais não só participaram enquanto atores como também colaboraram na construção dos diálogos. 

O tema central do filme acaba por ser a miséria de toda aquela região e dos camponeses e pastores que nela procuram sobreviver, através da história de um pobre pastor que, por força das circunstâncias e por se recusar a ser um delator de bandidos, se vê obrigado a transformar-se, ele próprio, num bandido. 

É magnifica a maneira como De Seta articula todos os elementos que tem ao seus dispor, ao ponto de não conseguirmos perceber se os principais personagens do seu filme são os seres humanos, os animais ou a própria paisagem, tal a força que todos eles têm.  Foi a propósito deste filme que Martin Scorsese, no seu conhecido documentário sobre o Cinema Italiano, afirmou ser De Seta “um antropólogo que se expressou com a voz de um poeta”.

Mas sinto que, uma vez mais, estou a divagar e que não foi para falar de Cinema que aqui vim hoje.

A verdade é que este filme me fez desejar saber um pouco mais acerca de Orgosolo e foi no âmbito dessas pesquisas que fiquei a saber, não só da pequena história dos bandidos de que atrás vos falei, mas também da existência dos murais que hoje tornam célebre este lugarejo. Parece que foram inventariadas em toda a Sardenha 250 pinturas murais, 150 das quais se encontram em Orgosolo.

A origem destes murais é curiosa…

Tal como sucedeu na Sicília, as populações das regiões mais desfavorecidas da Sardenha demonstraram sempre uma certa animosidade face ao “Poder Central” por se terem sentido votadas ao ostracismo durante décadas. Nos anos que se seguiram ao final da II Grande Guerra, enquanto na Metrópole se vivia o célebre “milagre italiano” de recuperação económica, com forte criação de emprego e melhorias gerais ao nível dos salários, da Habitação, da Saúde e da Educação, muitas destas regiões rurais das ilhas foram mantidas num relativo estado de pobreza e estagnação, bem percetíveis no filme de De Seta .

Ao longo dos anos foram vários os sinais de insatisfação e de rebelião das gentes de Orsosolo contra o tal “Poder Central”, mas a sua demonstração mais evidente parece ter sido o que ficou conhecido como a “revolta de Pratobello”, em 1969, que consistiu numa manifestação organizada de toda a população contra a instalação de uma base militar nos campos de pastorícia comunitária nas imediações da aldeia.  

Estas manifestações tiveram algum impacto a nível nacional e o projeto acabou por ser posto na gaveta.

Foi, precisamente, pela atenção que esta batalha suscitou a nível nacional que uma “troupe” de teatro de intervenção de Milão de inspiração anarquista, que dava pelo nome de “Dionisio”, se deslocou a Orgosolo e, entre outras “performances”, deixou na aldeia um primeiro mural que representava o mapa de Itália com um grande ponto de interrogação no lugar onde deveria estar localizada a Sardenha, para evidenciar a falta de interesse que o Governo Central devotava à ilha.

Este primeiro mural suscitou a atenção, mas não teve sequencia, até que em 1975 Francesco del Casino, um comunista de Siena que já há alguns anos exercia na aldeia a profissão de professor de desenho resolveu desafiar os seus alunos a fazerem pinturas alusivas à comemoração dos 30 anos da Resistência antifascista e da derrota do nazismo. Mas em lugar de serem feitas em papel e posteriormente expostas, essas pinturas seriam feitas em mural, para chamarem a atenção de mais gente e perdurarem no tempo.

A iniciativa foi um sucesso e a partir daí Francesco del Casino e os seus sucessivos alunos não mais pararam de pintar as paredes das casas da aldeia. Embora, com o passar do tempo, outros pintores locais como Pasquale Buesca e Vincenzo Floris se lhes tenham vindo juntar, terão sido eles os responsáveis pela maior parte dos 150 murais que foram, desde então, desenhados na aldeia.

Os temas destes murais são variados, mas quase todos eles têm um ponto em comum: serem mensagens políticas contra o colonialismo, a guerra e as injustiças sociais, evocando também os prolemas do quotidiano da região, tais como a emigração, a pastorícia, a educação, a saúde e a necessidade de preservação das tradições locais. Um curioso mural apela à emancipação das mulheres evocando a morte de 129 mulheres trabalhadoras, na sua maioria italianas, num incêndio ocorrido em 1908 numa fábrica em Nova Iorque.

 Não faltam, igualmente, apelos à independência da Sardenha e homenagens a figuras históricas nacionais, tais como Garibaldi, Antonio Gramsci e Giovanni Maria Angioy, que vim a saber tratar-se de um herói local da luta contra os privilégios dos antigos senhores feudais 

Mas nas paredes de Orgosolo a solidariedade internacional dá provas de estar bem viva porque muitos são os murais que nada têm a ver com a região e se referem à Bolívia e a Che Guevara, ao Vietname, ao Chile de Salvador Allende, ao conflito israelo-palestiniano, ao 11 de Setembro em Nova Iorque, à Guerra do Iraque e até a simples mensagens antiguerra com recurso à figura de Charlot. E não deixa de ser curiosa a existência de um mural dedicado a Larzac, localidade no Sul de França que, entre 1971 e 1981, se bateu, igualmente, contra a expansão de uma base militar lá existente.  

E ainda existem outros murais que mais não parecem ser que simples homenagens a pintores célebres: Diogo Rivera, como não podia deixar de ser, enquanto precursor do mural de intervenção no México, juntamente com Orozco e Siqueiros, mas também Frida Kahlo, Picasso, Fernand Léger e Miró.

Quanto a estilos, há-os para todos os gostos nestas pinturas, do “Naif” ao Impressionismo, ao Cubismo e ao Surrealismo…

De férias pela Sardenha há poucos anos atrás, não poderia deixar de vir visitar esta aldeia e os seus murais, e isto para grande desespero da minha Querida Mulher, que teria preferido, mil vezes, ir espraiar-se junto às águas azul turquesa da  Costa Esmeralda ou pavonear-se com o “Jet-Set” na zona muito seleta de Porto Cervo.

E ainda por cima em “lua de mel”…!!! Quem se lembraria de ir, em “lua de mel”, para as montanhas de Orgosolo, dizia-me ela…??? Só um doido com certeza, e fiquem sabendo que este foi o epíteto mais suave de todos com que me brindou…

 Deixo-vos uma extensíssima reportagem fotográfica, uma vez que as pinturas têm de ser apresentadas em duplicado: em grande plano para serem percetíveis e em plano mais afastado para que se visualize o seu enquadramento urbano.

Para quem, como é o meu caso, não domine o italiano nem a História de toda esta região, alguns destes murais têm mensagens dificilmente decifráveis. Mas valem pela pintura…  

Quanto a Orgosolo em si, trata-se de uma aldeia simples, sem qualquer outro tipo de apelo turístico que não sejam os seus murais, a simpatia das suas gentes e a paisagem que a rodeia. Não se espere encontrar aqui, porta sim porta sim como tantas vezes sucede nestas aldeias turísticas, as lojinhas de “souvenirs” apinhadas de “T-Shirts”, canecas e “imanes” para pendurar nos frigoríficos. Não que não existam algumas, mas são mais discretas… 

PS:

As informações que vos dou relativas à origem dos murais foram retiradas deste pequeno livro que vos mostro, “Les Murales de Orgosolo”, de autor desconhecido, que comprei na aldeia.

 

TEXTO E FOTOGRAFIAS DE LUÍS MIGUEL MIRA