Almoço de Domingo
José Luís Peixoto
Capa: Rui Rodrigues
Quetzal Editores,
Lisboa, Março de 2021
Acordou sem idade. Lembrou-se do corpo, mas não mexeu um dedo. Sentiu a
roupa da cama, indistinta daquela hora da madrugada, mas não abriu os olhos.
Coberto pelo agasalho, preferia a escuridão à penumbra ou, pior ainda, aos
números modernos e implicantes do despertador electrónico. As pálpebras
eram-lhe leves, da mesma maneira que era leve o mundo naquele instante, o
silêncio lá fora sobre a vila, o ar limpo que inspirava e que o desimpedia por
dentro. Não mexeu um dedo ou qualquer músculo, tinha certezas. Sabia que envelhecer
é acumular dores: começam por doer certos gestos, certos jeitos, virar-se de
repente, agachar-se para atar o sapato: depois doem as ações mais comuns, sentar-se,
levantar-se, caminhar; até que, por fim, dói tudo, dói estar, dói ser.
Essas eram as dores que não sentia ali.
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