Há 20 anos éramos esquerdistas, maoístas, trotskistas, guevaristas, anarquistas; hoje somos todos neo-liberais e post-modernos (enfim, quase todos…)
(…)
Estes tempos são tempos de arrependidos
de todos os géneros; Bob Dylan está cheio de dinheiro e usa lentes de contacto;
Regis Debray estuda Milton Friedman às escondidas, Não transformámos o mundo
nem mudámos a vida; a vida é que nos
mudou a todos (o «Che» morreu na Bolívia, baleado por um «ranger» anónimo; José
Afonso morreu de doença; e o Artur Queirós ganhou o Prémio Ibéria de
Jornalismo). Foi uma derrota sem glória pelo menos sem tanta glória como a
derrota dos nossos pais nas trincheiras de Valência, nos campos de Almeria, ou
passando o Ebro en un barquito de vela.
Os revolucionários, mesmo os de café,
são os cornudos da História; nós nem por isso. Os cafés passaram a bancos e as
namoradas com quem, de mãos dadas atravessámos os anos da brasa sobre as
barricadas do Quartier Latin ou nos jardins da Cidade Universitária, são hoje
professoras do liceu e assinantes do Círculo de Leitores.
Restam-nos alguns discos, alguns livros, algumas memórias. E nem temos uma história, uma grande história para contar aos filhos, porque os nossos filhos preferem as histórias dos campeões da Wall Street e emocionam-se mais com um «crash» da Bolsa do que com verduras românticas com «pavês», «slogans», ocupações selvagens. Elvis Presley, afinal, não era informador da CIA? João XXIII não tinha acções nas fábricas de material de guerra? Giap não tinha campos de concentração? Fidel não tinha Padilla a apodrecer numa cadeia?
05.03.1988
Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura
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