quinta-feira, 20 de maio de 2021

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Maria Archer  nasceu em Lisboa a 4 de Janeiro de 1899 e morreu, também em Lisboa, a 23 de Janeiro de 1982.

Só terminou a escola primária aos 16 anos, tendo para isso que insistir com seus pais, que achavam desnecessária a sua formação.

Escritora, lutadora pelos direitos humanos.

Perseguida pela PIDE, foi obrigada a refugiar-se no Brasil. Depois do 25 de Abril regressou a Portugal com poucos meios de subsistência. O país, já democrático, negou-lhe a dignidade, o respeito, tudo o que lhe era devido pelas causas por que se bateu. Merecia que lhe dessem algo mais do que lágrimas de crocodilo, e até essas faltaram. Regressou pobre do Brasil, mas não queria caridadezinha, queria o respeito a que tinha direito por ter ajudado, pela sua atitude cívica e de escritora, a liquidar um regime opressivo e senil.

Morreu só, no Asilo de Santa Maria de Marvila.

Consideraram-na uma das principais mulheres escritoras portuguesas, talvez a grande ficcionista da primeira metade do século passado.

Disse João Gaspar Simões, em 1930:

 «Não conheço mesmo outra (escritora portuguesa) que à audácia dos temas e das ideias alie uma expressão tão enérgica e pessoal. O seu estilo respira força e solidez.»

Considerou ainda que apenas dois nomes eram dignos de emparceirar com os escritores homens: Maria Archer e Irene Lisboa.

Maria Archer, uma prosa elegante, século passado, uma prosa amável.

Recordo-me de ter lido este «Casa Sem Pão.

Por motivos que desconheço, o livro, quando fechei a cada do meu pai, não estava nas estantes.

A edição que hoje aqui se recorda, é o 3º volume da Colecção Censura no Feminino que o jornal Público tem vindo a publicar em edições fac-símile.

Foi o segundo livro de Maria Archer proibido pela PIDE.

A obra foi proibida aquando da sua publicação, em 1947, vindo a ser autorizada, embora com cortes, 12 anos depois.

O censor-leitor foi o capitão Rodrigues de Carvalho que não tem dúvidas em «achar perniciosa a divulgação deste livro sob o ponto de vista da moral social.» e para que não existam quaisquer dúvidas junta ao processo, «um relato desenvolvido com as transcrições dos passos mais escabrosos.»

Uma parte imoral, assim considerada pelo capitão-censor, aparece na pág. 60:

«Os passos de Felismina soam na passadeira do corredor. A chave da porta do seu quarto corre na fechadura. As duas raparigas fecham-se mais no silêncio e dobram-se sobre o bordado. Ambas pensam no pai e em Felismina, um homem e uma mulher fechados à chave no mesmo quarto, a despirem-se, a dormirem na mesma cama.. Ambos pensam em que seu pai, metido com uma mulher no quarto, está fazendo uma coisa vergonhosa, e em que Felismina não é uma pessoa de sentimentos. A Clarisse ensaia, timidamente, uma censura, em voz quase imperceptível:

- Casam-se para fazerem porcarias… 

4 comentários:

Luis Eme disse...

A história de vida de Maria Archer é igual a tanta gente digna, que lutou tanto pelos outros e acabou esquecida e abandonada, Sammy...

Seve disse...

"Morreu só, no Asilo de Santa Maria de Marvila."

Como é possível? Uma vergonha para os governantes da altura (democratas, atenção)...

Sammy, o paquete disse...

Temos tantos casos, caros Luís Eme e Seve.
Alguns conhecem-se, outros ficam para aí nas margens do esquecimento. Há o caso escandaloso do poeta Raul de Carvalho de que respigo um pedaço de texto aqui escrito.
(Etiqueta: Raul de Carvalho).
Dos vinte e cinco livros que Raul de Carvalho publicou 13 são Edição do Autor.
Para além dos custos de composição e impressão, Raul de Carvalho tinha de andar de livraria em livraria a colocar os livros, que ficavam em lugares pouco visíveis, a tralha é que tem de ficar bem à vista.
Tardiamente faziam contas com ele e nem todas chegavam a fazê-las.
E Raul de Carvalho sempre viveu com extremas dificuldades: económicas e de saúde.
Um quotidiano de silêncios, humilhações, dificuldades inomináveis, uma descontrolada paixão pelos outros.
Mas com uma fidelidade a si próprio que tanto o maravilhava, comovia e de que tanto se orgulhava.
Viveu numa permanente solidão, uma amarga e dolorosa peregrinação, mas sempre soube de que lado estava a verdade e a justiça.
Era um doente de risco e sem ter com que pagar a alguém que o acompanhasse na doença, chegou a viver num asilo de caridade em Odivelas.
«Hoje, penso que não: que adoeci, que fui
Envelhecendo, que há poucos livros úteis,
Que, para sobreviver, temos de trabalhar…
E o trabalho sem amor mata.
Não penso já no amor, penso na morte.
Não na morte que a todos nos espera, a um canto
do mundo, a um momento, não na morte final
estou pensando agora.»
Em 1984, quis participar na IV Bienal de Vila Nova de Cerveira com uma comunicação sobre a jovem poesia portuguesa, que não chegou a apresentar.
Na madrugada de 12 para 13 de Agosto, o seu primeiro dia de estadia na vila, foi encontrado caído no chão da casa onde dormia.
Levaram-no para o hospital de Viana de Castelo, mas dada a gravidade do seu estado, encaminharam-no para o Hospital de S. João.
Com alta do hospital, foi repousar para casa do seu amigo Albano Martins, no Porto. Foi aí que uma pneumonia, no dia 3 de Setembro, colocou um ponto final no calvário dos dias atribulados que viveu.
No dia seguinte completaria 64 anos.
Ironias do destino, ou o que lhe quiserem chamar.
Raul de Carvalho é um poeta com portas abertas para o neo-realismo e algum surrealismo. A Editorial Caminho, antes de ser devorada pela Leya, publicou (1993), num só volume, a sua Obra Completa.
«Serenidade, és minha» é um dos mais belos poemas da língua portuguesa.
Sem entrar em hipocrisias parvas, em impossíveis, se esta democracia manhosa que nos assiste, em vez de andar a despejar oceanos de dinheiro na banca, conseguisse alguns cêntimos que ajudassem os trabalhadores da cultura não teríamos outro respirar, outro olhar?

Seve disse...

Num país onde só se fala de milhões (o que os gatunos devem e roubam) isto é uma tristeza, sobretudo, uma VERGONHA!