Feliz aquele que
administra sabiamente
a tristeza e
aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os
meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste
envelhecer à porta
entretecer nas mãos
um coração tardio
Oh! como é triste
arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul
das extremas manhãs do verão
ao longo do mar
transbordante de nós
no demorado adeus
da nossa condição
É triste no jardim
a solidão do sol
vê-lo desde o rumor
e as casas da cidade
até uma vaga
promessa de rio
e a pequenina vida
que se concede às unhas
Mais triste é
termos de nascer e morrer
e haver árvores ao
fim da rua
É triste ir pela
vida como quem
regressa e entrar
humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono
concluir
que era o verão a
única estação
Passou o solitário
vento e não o conhecemos
e não soubemos ir
até ao fundo da verdura
como rios que sabem
onde encontrar o mar
e com que pontes
com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras
de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é
recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar
castanhas depois da tourada
entre o fumo e o
domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o
asfalto e muita gente
e atrás a vida sem
nenhuma infância
revendo tudo isto
algum tempo depois
A tarde morre pelos
dias fora
É muito triste
andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta,
administra a tristeza sabiamente
Ruy Belo de O Problema da Habitação em Todos os Poemas
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