quarta-feira, 19 de maio de 2021

E NADA TENHO A DIZER


22 de Julho de 1974

Vou perdendo o jeito da escrita. Sufocado de jornais, rádio, TV. Tenho imenso a dizer – e nada tenho a dizer.

A valer a pena dizer. É necessário libertar-me disto, voltar à literatura. É a terra donde sou. O mais chocante de tudo era o que eu já sabia: que os homens são moralmente inferiores. E intelectualmente curtos. Daí resulta a submissão total aos que julgam vencedores e a miséria que lhes ordena o comportamento; como deriva a incapacidade de olhar o horizonte mais distante. A sedução do provisório vem de que têm os resultados à vista, os benefícios à vista. Aí joga por isso a maioria, porque todos gostam de vencer. Jogar na vitória a longo prazo é uma chatice, exige uma coragem e inteligência que não cabem no comum «bípede sem penas» (Aristóteles – Metafísica). Bom. Onde jogo eu? Creio que em parte nenhuma, porque não sou exemplar. Ao menos sei onde devia jogar. Todo eu estou no conflito entre o gosto da maioria e o que sei ser o destino da minoria.


Vergílio Ferreira em Conta Corrente Volume I

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