18 de Novembro de 1942
Estou pior. Mas aquele meu antigo
desespero activo de morrer – atenuou-se. Agora olho este apodrecimento com a
calma de quem vê um belo e irremediável por-de-sol. A quem julgue (que ilusão,
passar-me pela cabeça que alguém possa tomar calor por esta minha agonia!) que
a explicação do facto pode muito bem estar na circunstância de o mundo
atravessar neste momento uma hora
dramática da sua vida, e, por isso, o egoísmo de conservação do individual
ceder perante a carnificina do colectivo, digo desde já que se angana. Quero
que outros tenham tanto como eu a dor de asiáticos, africanos e europeus; mas
não quero que haja quem sofrido mais. Contudo, com humildade e sinceridade o
digo; a minha dor pessoal é minha. Não. Cheguei a isto, porque estou cansado.
Desde que me conheço que vivo como se a curva do céu que me cobre fosse um
arco, e eu a corda tensa entre os dois extremos. Ora, sabem que uma tensão
contínua… Bom, eu não quero física a ninguém. O que é certo é que cá estou onde
nunca pensei de chegar, pelo menos com trinta e cinco anos: às razões do meu
pai. Quando um dia lhe lhe falava horrorizado da serenidade com que ele
encarava a morte, respondeu-me na sua língua:
- O corpo farta-se de tudo, filho. Até de viver.
Miguel Torga em Diário
Volume II
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