sábado, 15 de maio de 2021

MAS SALVE-SE A ILUSÃO


10 de Junho de 1967

Faz hoje trinta anos exactos que fui preso, a primeira vez pela polícia do fascismo – ao tempo, a P.V.D.E. É dia comemorativo! Assinalá-lo abrindo nele este diário, que será de reflexões ou apontamentos e não de factos, pois foi o perigo destes que me fez evitar o gosto do jornal íntimo. Se nunca houve carta ou rabisco que os cães de fila não esquadrinhassem à lupa! Entre prisões (5) e buscas (3), quantas recordações não perdi, voluntária ou involuntariamente! Até o diarismo, companheiro e confidente da frustração, foi boicotado…

Envelhecer é desvalorizar o futuro dum ponto de vista pessoal. E reganhar, de certo modo, o passado. Se estas linhas, escritas entre duas consultas, podem ajudar-me a encher o vazio do imediato, por que evitá-las, hoje? Bem se me dá que as levem ou as destruam! Não deixarei nelas o que quer que seja que prejudique terceiros.

Passei estes anos a preparar uma maturidade inútil, descubro-o agora: no plano social, procurando condições políticas que, realizando as aspirações gerais, viabilizassem as minhas; no plano intelectual, adquirindo uma utensilagem que estruturasse uma intervenção idónea. Com a saúde que resta e o tempo que nunca sobra, já pouco ou nada poderei fazer, mesmo que as condições mudem a tempo. O que foi foi, não o discuto, nem o deploro. Nunca houve alternativa possível. Mas salve-se a ilusão desta lápide.

Mário Sacramento em Diário

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