domingo, 18 de junho de 2023

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


«Nem sempre é preciso falar. Há alturas em que as palavras não fazem falta, estão a mais, e talvez possam ser ditas depois.

A minha mãe estava já muito doente e não quis que o meu pai a fosse ver. Ele não foi, e um dia depois de ter regressado a Lanzarote, ela morreu. Quando lho disse, pediu-me para adiar o funeral. Regressou a Lisboa no dia seguinte. Fui esperá-lo ao aeroporto. Um abraço apertado e choroso substituiu qualquer palavra. Durante o funeral não trocámos uma palavra, mas não saiu de ao pé de mim. Quando o fui levar ao aeroporto para regressar a casa, só me disse: Vai, vai procurar descansar.

Nesse ano, uns meses depois, ganhou o Nobel da Literatura. Quando nos encontrámos, disse-lhe: Ela havia de ter gostado. Sim havia, respondeu.

Não voltámos a falar sobre o assunto. Ao chegar a Estocolmo, em Dezembro, demos um grande abraço. Sem palavras que não precisaram de ser ditas, por um brevíssimo instante, naquele abraço apertado, estivemos os três.

Para ser sincera, nunca tive com o meu pai intermináveis conversas. Naqueles momentos realmente bons ou nos realmente maus, nunca precisámos de muitas palavras.

O olhar e o tato substituíram-nas frequentemente.

 Violante Saramago em De Memórias Nos Fazemos

 Legenda Ilda Reis e Violante Saramago

1 comentário:

Seve disse...

E ao longo da vida há tantos afastamentos injustificados, tantas ausências que só muito tarde lamentamos.
Há coisas no ser humano absolutamente incompreensíveis.