segunda-feira, 11 de março de 2013

UM GOLPE CONTRA-REVOLUCIONÁRIO


Se a uma grande parte dos jovens de hoje o 25 de Abril já diz muito pouco, então sobre o 11 de Março não lhes diz nada.
Ainda hoje, o 1 de Março, é um passo da nossa história que não se encontra devidamente estudado.
Talvez daqui por uns anos se faça outro tipo de luz ou se continue a manter a ideia de que mais não foi do que uma farsa, com fins preconcebidos, mas mal elaborada, mal representada.
Outra coisa não seria de esperar da coronelada, da generalada, a célebre brigada do reumático, saudosa da ditadura.
No dia 6 de Março, a revista francesa «Témoignage Chrétien» publica uma notícia que revela: «Spínola prepara um golpe de Estado em Portugal», afirmando que Spínola receber luz verde do embaixador dos Estados Unidos, Frank Carlucci, para tentar subverter o processo revolucionário iniciado em Portugal.
Varela Gomes, no seu livro Sobre os Golpes Contra-revolucionários de 11 de Março e de 25 de Novembro de 1975:
Considero o acontecimento em 11 de Março de 1975, como um golpe contra-revolucionário integrado na poderosa e persistente ofensiva montada pela reacção interna e internacional contra o 25 de Abril/Revolução (distinguindo do 25 de Abril/Golpe de Estado), cujas outras duas datas culminantes a montante e a jusante r4espectivamente, foram 28 de Setembro de 1974 e 25 de Novembro de 1975.



 Almeida Faria, no seu romance Lusitânia, faz um retrato,assaz curioso, do que foi esse dia.:
CARTA DE JC A MARTA TENTANDO NARRAR AS PERIPÉCIAS DUM DIA TÃO INCRÍVEL QUE PARECE FICTÍCIO
Lx, 11-3-75
Querida Marta,
 não vais entender nada do que contam os jornais, nem nós, chamados testemunhas visuais, conseguimos perceber a aventura surrealista dum teco-teco militar sobrevoando a saloia capital durante mais de uma hora, metralhando um único quartel onde matou um soldado e regressou à base, liquidando a direita acusada de ter tentado tomar o poder com este avião de brinquedo, arrumada por isso para os próximos meses. Perdeste a oportunidade de presenciar uma intentona pela TV, que filmou o impagável diálogo dum oficial intentonista com o célebre Dinis de Almeida, comandante do quartel metralhado e sitiado pelo pelotão ou talvez nem isso, por um grupo de soldados “reaças” que começaram a chorar diante da TV quando a esquerda razoável lhes explicou terem sido enganados, manobrados ou obrados pelos maus que, como bons malandros já fugiram para Espanha deixando os pobres soldados ali de G3 na mão sem saberem bem porquê nem contra quem nem para quê nem para quem, os chefes só lhes disseram que era preciso ir salvar a revolução em perigo e todos se consideram salvadores da cuja dita. O Woody Allen tinha previsto um assassinato de presidente de república dado em directo pela TV, mas acho que a nossa ridícula realidade ultrapassa em tragicómico a ficção de “Bananas”. À hora em que te escrevo já os vencedores preparam a mitificação ou beatificação do soldado Luís, vítima desta brincadeira de mau gosto, ele que não tinha nenhum interesse em ver-se transformado em herói. Como explicação para tão




absurda e obtusa acção de fogo, fala-se numa #matança da Páscoa” que o lobo mau prepararia a fim de cortar uma série de cabeças. Quem meteu isto nas fracas cabeças assim ameaçadas, ou se elas próprias inventaram tal estória, ignoro-o. Um ano de revolução permanente, ardentemente sonhada por nós leitores de Lev, começa a fatigar a burguesia que no início a ela aderiu por curiosidade ou simples desejo de mudar, como se fosse novo vestido ou penteado. Agora volta a vir ao de cima o nosso secular cepticismo, indiferença, fatalismo, transformado em gesto nacional o encolher-de-ombros de outrora conhecido. A fase de instrução colectiva luta agora contra as forças da inércia. Dizia mestre Lev: à fusão criadora do consciente com o inconsciente é que se chama inspiração. No momento em que a inércia tenta tomar conta do prec, uma espécie de usura apodera-se das pessoas, passam a pensar em termos de contabilidade, esquecem que com usura nenhum homem tem casa de boa pedra, que a usura é uma praga, que com usura, pecado contranatura, talvez se chegue ao poder, não se chega à liberdade. Também eu não chego a nenhum lado, a não ser aos exames que não sei se se fazem. De resto para que serve estudar leis num país que quero deixar? Ainda por cima leis tornadas diariamente arcaicas pela constante inflação da legislação, inflação só semelhante à da nossa moeda, pobre dela.
Da próxima vez prometo carta diferente, falando mais de mim que do prec que afinal te não interessa. Pergunto-me se eu te interesso.
 Teu
 JC
Almeida Faria Lusitânia, Edições 70 Lisboa Dezembro de 1980

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