Manuel Medeiros morreu em Setúbal, aos 77 anos. Perseguido
pela doença, conseguiu ainda comemorar a passagem dos 40 anos sobre a fundação
da obra da sua vida, a livraria Culsete, na cidade do Sado. Todo o universal
tem raiz no singular. Este açoriano de nascimento, setubalense pelo coração, aí
o está para o provar. Há algo de irónico quando designamos a Culsete como
livraria. A ironia habita na clara desproporção entre os bens públicos e os
benefícios privados associados a uma empresa ligada ao comércio do livro. Para
os jovens da minha geração, que aí passavam horas de leitura apaixonada, a
Culsete, na verdade, fazia as vezes de uma biblioteca pública à altura do seu
tempo. Manuel e Fátima Medeiros, sua esposa e colaboradora, sempre
compreenderam a importância do livro e da leitura para o processo de contínuo
crescimento das pessoas e dos cidadãos, que não cessamos de ser ao longo da
vida. O livro contém dentro de si uma riqueza e uma energia que ninguém está em
condições de esgotar. Nem o leitor, nem o crítico, nem mesmo o autor. A tarefa
do livreiro é a de libertar e fazer partilhar essa riqueza e essa energia. Por
isso, ao longo destes 40 anos, a Culsete criou centenas de encontros entre
livros, leitores e autores, muitos deles já parte do panteão da língua
portuguesa. Escrevo estas palavras em homenagem a Manuel Medeiros, também em
nome de todos aqueles que, não o podendo fazer, gostariam de lhe prestar
tributo público pela dívida cultural que jamais estaremos em condições de
pagar. Pois uma das maiores lições que Manuel Medeiros nos deixou foi a da
dádiva generosa, que é a fonte de todas as dívidas importantes. Aquelas que por
natureza não se destinam a ser saldadas. Pois, na verdade, só é nosso, aquilo
que já não nos pertence.
Viriato Soromenho Marques, hoje, no Diário de Notícias.
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