sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O LIVREIRO PRODIGIOSO


Manuel Medeiros morreu em Setúbal, aos 77 anos. Perseguido pela doença, conseguiu ainda comemorar a passagem dos 40 anos sobre a fundação da obra da sua vida, a livraria Culsete, na cidade do Sado. Todo o universal tem raiz no singular. Este açoriano de nascimento, setubalense pelo coração, aí o está para o provar. Há algo de irónico quando designamos a Culsete como livraria. A ironia habita na clara desproporção entre os bens públicos e os benefícios privados associados a uma empresa ligada ao comércio do livro. Para os jovens da minha geração, que aí passavam horas de leitura apaixonada, a Culsete, na verdade, fazia as vezes de uma biblioteca pública à altura do seu tempo. Manuel e Fátima Medeiros, sua esposa e colaboradora, sempre compreenderam a importância do livro e da leitura para o processo de contínuo crescimento das pessoas e dos cidadãos, que não cessamos de ser ao longo da vida. O livro contém dentro de si uma riqueza e uma energia que ninguém está em condições de esgotar. Nem o leitor, nem o crítico, nem mesmo o autor. A tarefa do livreiro é a de libertar e fazer partilhar essa riqueza e essa energia. Por isso, ao longo destes 40 anos, a Culsete criou centenas de encontros entre livros, leitores e autores, muitos deles já parte do panteão da língua portuguesa. Escrevo estas palavras em homenagem a Manuel Medeiros, também em nome de todos aqueles que, não o podendo fazer, gostariam de lhe prestar tributo público pela dívida cultural que jamais estaremos em condições de pagar. Pois uma das maiores lições que Manuel Medeiros nos deixou foi a da dádiva generosa, que é a fonte de todas as dívidas importantes. Aquelas que por natureza não se destinam a ser saldadas. Pois, na verdade, só é nosso, aquilo que já não nos pertence.

Viriato Soromenho Marques, hoje, no Diário de Notícias.

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