O Burro-Em-Pé
José Cardoso Pires
Capa: Júlio Pomar
Círculo de Leitores, Lisboa Novembro de 1979
E foi o que aconteceu aos conquistadores do mato, traficantes e outros
que tais, quando, depois de muito esfolar, viram a vida deles a andar para trás.
Tinham saído das berças da fome em tempos que já lá iam e, tocados pela
necessidade, atravessaram o mar em demanda do igualmente esfomeado, que era
preto e que, tanto quanto sonhavam, andava a pé descalço por cima de cascalhos
e ouro e diamantes sem dar por isso. Depois, como as coisas não fossem tal e
qual, não se desconcertaram e desataram a fabricar negócios de abater o preto à
paulada, peneirar e vender farinha de pau-santo, e assim foram crescendo e
engordando.
O pior é que de tanto bater, o pau abriu faísca e pegou fogo ao mato –
tinha que ser. Os traficantes, conquistadores e outros que tais levaram a mal.
Ah, sim?, ameaçaram Pois então o fogo paga-se com fogo, e por dá cá aquela
palha puseram-se a despejar tiros, empurrando para longe o incêndio – pensavam eles.
Estiveram meses e ano, entretidos a espalhar lume quando numa volta do destino
o vento começou a mudar. Aí, ao sentirem as chamas a virarem o dente, alto lá:
deram sebo às botas e que se lixe, disseram, ardeu a tenda. Pegaram na saquinha
dos diamantes e bateram a asa, rumo ao velho ninho, Portugal.
Enquanto o diabo esfregou um olho já eles tinham pulado por cima do
mapa-mundo e da África que lá estava desenhada como coração pousado no oceano.
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