sexta-feira, 25 de outubro de 2013

OLHAR AS CAPAS


O Burro-Em-Pé

José Cardoso Pires
Capa: Júlio Pomar
Círculo de Leitores, Lisboa Novembro de 1979

E foi o que aconteceu aos conquistadores do mato, traficantes e outros que tais, quando, depois de muito esfolar, viram a vida deles a andar para trás.
Tinham saído das berças da fome em tempos que já lá iam e, tocados pela necessidade, atravessaram o mar em demanda do igualmente esfomeado, que era preto e que, tanto quanto sonhavam, andava a pé descalço por cima de cascalhos e ouro e diamantes sem dar por isso. Depois, como as coisas não fossem tal e qual, não se desconcertaram e desataram a fabricar negócios de abater o preto à paulada, peneirar e vender farinha de pau-santo, e assim foram crescendo e engordando.
O pior é que de tanto bater, o pau abriu faísca e pegou fogo ao mato – tinha que ser. Os traficantes, conquistadores e outros que tais levaram a mal. Ah, sim?, ameaçaram Pois então o fogo paga-se com fogo, e por dá cá aquela palha puseram-se a despejar tiros, empurrando para longe o incêndio – pensavam eles. Estiveram meses e ano, entretidos a espalhar lume quando numa volta do destino o vento começou a mudar. Aí, ao sentirem as chamas a virarem o dente, alto lá: deram sebo às botas e que se lixe, disseram, ardeu a tenda. Pegaram na saquinha dos diamantes e bateram a asa, rumo ao velho ninho, Portugal.
Enquanto o diabo esfregou um olho já eles tinham pulado por cima do mapa-mundo e da África que lá estava desenhada como coração pousado no oceano.

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