Comunidade
Luiz Pacheco
Contraponto Editora, Lisboa Março de 1970
Somos cinco numa
cama. Para a cabeceira, eu, a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e
a miúda mais pequena. Toco com o pé numa rosca de carne meiga e macia: é a
pernita da Lina, que dorme à minha frente. Apago a luz, cansado de ler
parvoíces que só em português é possível ler, e viro-me para o lado esquerdo: é
um hálito levemente soprado, pedindo beijos no escuro que me embala até
adormecer. Voltamo-nos, remexemos, tomados pelo medo de estarmos vivos, pela
alegria dos sonhos, quem sabe!, e encontramos, chocamos carne, carne que não é
nossa, que é um exagero, um a-mais do nosso corpo mas aqui, tão perto e tão
quente, é como se fosse nossa carne também: agarrada (palpitante, latejando)
pelos nossos dedos; calada (dormindo, confiante) encostada ao nosso suor.
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