29 de Outubro de 1968.
A doença de Salazar começa a entrar na rotina mais rotineira
e a cair no campo da anedota.
O Notícias de Portugal, semanalmente,
vai fazendo o resumo da evolução da doença, nunca deixando de realçar que
continuam a rezar-se missas por todo o país pelas melhoras de Sua Excelência e
que o Chefe de Estado continua a visitar o doente com regularidade.
Segundo O Século …
o
sr. Prof. Bissaia Barreto informou os jornalistas que o Sr. Prof. Oliveira
Salazar «já se encontra a dieta sintética e aproxima-se, agora, da dieta
habitual. Nessa dieta só toma produtos portugueses.»
Augusto Abelaira soube, através de uma sobrinha de Marcello
Caetano, que ele anda mais preocupado com os «ultras» de que com a Oposição.
José Gomes Ferreira não deixa de comentar: o que
é vexatório para nós.
Anda José Gomes Ferreira:
Enquanto Cazal-Ribeiro, da Direcção da União Nacional, da Legião
Portuguesa e da Cidla, diz a quem o quer ouvir nos comícios diários:
- Esse comunista anda a dar cabo da obra de Salazar!
O «comunista» é o Marcelo!, o «Endireita da Esperança» - como também já
lhe chamam esses pobres portugueses que só sabem contar anedotas e inventara
apodos…
Finalize-se, hoje, este passear pelo tempo com um trecho de Caminhos
Para uma Revolução de Jacinto Baptista (1) que, conjuntamente com os Dias
Comuns de José Gomes Ferreira e o Notícias
de Portugal, constituem a base de trabalho destas evocações:
Assim, Salazar, dado como morto ressuscita.
Um repórter do Diário Popular falou esta manhã, na Casa de
Saúde da Cruz Vermelha, onde Salazar está hospitalizado, com o Prof. Bissaia
Barreto, que diariamente visita o enfermo. E começou por recolher esta
declaração:
- O Senhor Presidente dormiu muito bem, passou uma noite muito calma,
com um sono reparador. De manhã, o seu espírito encontrava-se desanuviado.
Conhece as pessoas que entram no seu quarto, profere o nome das pessoas
conhecidas, a sua memória responde mesmo à evocação de factos passados.
O repórter pergunta depois ao Prof. Bissaia Barreto se esta recuperação
permitia manter esperanças de ser dada alta, em breve, a Salazar. Respondeu (fé
inabalável):
- Tenho a certeza de que pode ainda levar uma vida normal e escolher o
seu próprio modo de vida. Tenho a certeza. O tempo não interessa em casos
destes. O que interessa é que ele regresse à vida.
Mais tarde, em entrevista à Televisão, simultaneamente recolhida pelos
jornais, Bissaia Barreto declarava:
- O Senhor Presidente estará, em breve, em condições de se ocupara da
sua vida pessoal e da vida que interessa à Nação.
A Censura, desconcertada, inquieta, resolve suprimir, nesta frase, as
palavras e da vida que interessa à Nação, que não leremos no jornal e todavia
ouviremos à noite no telejornal. E a Televisão que, pelos vistos, aposta na
ressurreição de Salazar, vai mais longe, citando o Prof. Eduardo Coelho como
tendo declarado que se esperava, no enfermo, uma recuperação psíquica da ordem
dos oitenta a noventa por cento, motora de sessenta a setenta por cento.
E
Como Salazar, segundo Eduardo
Coelho, tinha uma cabeça que valia por seis cabeças normais, mesmo que só
recuperasse um sexto, ainda ficaria bem.
(1)
Caminhos para a Revolução, Jacinto
Baptista, Livraria Bertrand, Lisboa
Abril de 1975.
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