Lisboa, finais dos anos 60.
Eu a descer o Chiado, o Luiz Pacheco a subir.
A tal imagem de marca, saquinho de plástico, calça curta,
canela quase à mostra, peúgas descaídas por falta de elástico.
Repare nas minhas calças: sou o gajo das calças curtas. Porquê? Porque
não mando fazer um fato desde 1957 ou 1958! E por acaso tinha um bom alfaiate,
mas o último fato não o paguei e nunca mais lá fui… «O gajo anda de calças
assim para provocar, para se mostrar original.» Não é! Eu vejo aí é calças a
três e quatro contos e eu ia dar três contos por um par de calças?! Jamais de
ma vie, porra! Se me dão calças compridas, visto-as, dão-me curtas, eu visto-as!
Quero lá saber… são dadas! Essa carneirada acha de mim uma coisa, eu acho deles
outra! Agora, isto não tem nada a ver com a obra que fiz!
(De uma entrevista
de Luiz Pacheco no Público, Março de 1995, e que consta de O Crocodilo Que Voa, organização
de João Pedro George)
Cruzamo-nos à porta da Leitaria Marques, que
continua fechada, questões de massas ou lá o que é, mexe no saco de plástico, saca
umas folhas copiadas a stencil.
- Dá cá vintes!
Os tempos eram difíceis, mas o Pacheco era o Pacheco, dei-lhe
os vintes.
Fiquei com dezes e a Comunidade.
A capa e a primeira folha
que aqui se reproduzem.
Amarelada pelo tempo não consegui uma boa reprodução., mas
fica aqui.
Um lindíssimo texto, uns vintes, em tempos difíceis, muito bem empregues.
Em Março de 1970, a Comunidade saiu em folheto, ainda
pela Contraponto,
«fez-se uma tiragem especial de
trezentos exemplares, numerada e assinada pelo Editor, com um «poster-hors-texte», original de Carlos
Ferreiro.»
Segundo o catálogo da Exposição 1 Homem Dividido vale por 2, a
Comunidade foi saindo editada
não só pela Contraponto. Da edição do ano de 1996, publicaram-se 500
exemplares, «especialíssima, dedicada em preito de homenagem e gratidão, a Sua
Excelência o presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares».
Por Mário Soares, conta a Pachecal figura:
Essa história do gajo me dar dinheiro? As pessoas têm esta coisa que é
assim: «o presidente da República deu 200 contos àquele calhordas», isso
provocou espanto. Estupefacção. Andámos na faculdade, nunca tivemos um
relacionamento íntimo ou uma grande amizade. Eu via o gajo no Chiado: «Ó Mário,
passa-me aí algum, pá.» Ele puxava da carteira, tirava cinco paus, fazia um
gesto com o dinheiro na mão para o mostrar, e dava-mo. Agora, aqui, em Setúbal,
isso tem uma explicação. O assessor cultural foi à livraria da Raposo (Pacheco
refere-se à livraria UniVerso, em Setúbal) e este, para se evidenciar, disse
logo: «quem está aí é o Pacheco e tal». E o outro foi dizer ao Mário Soares.
Não é lá essa história do presidente descobrir que eu estou aqui no buraco e
manda-me 200 contos, dentro do envelope vinham 25 notas de 10 contos. Ia
morrendo. Acho que tem uma razão deontológica…, o escritor, o escriba, depois
como é que agradece um gesto destes?
(De uma entrevista de
Luiz Pacheco, publicada em Dezembro de 1995, no Blitz e que consta O Crocodilo
Que Voa)
Do Jorge Sampaio nem cheiro. Pior foi o Eanes. Como o David Mourão-Ferreira tinha conseguido um subsídio
para o Raul de Carvalho, o Alçada Baptista falou-lhe em mim. E o Eanes
respondeu-lhe: «Para quê? Para ir gastar na taberna?» O Soares não perguntou
onde é que eu ia gastar a massa.
(De uma entrevista de
Luiz Pacheco, dada a Rodrigues da Silva, publicada no JL e que consta de OCrocodilo que Voa).
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