domingo, 23 de junho de 2019

COMO QUEM REGRESSA AO PAÍS DA SUA INFÂNCIA


Eis que voltámos ao Cais.

Este regresso levou-me a pensar em Mário Castrim.

Foi a grande bússola da crítica de televisão neste nosso país.

Começou a fazer crítica de televisão, no Diário de Lisboa, em 14 de Maio de 1965.

Nos tempos da ditadura, a malta encontrava-se nos cafés e quando algum chegava, a primeira pergunta não variava muito: «Já leste o Castrim?»

Quase quarenta anos a fazer crítica de televisão.

Em 1990, Fernando Assis Pacheco calculou que Mário Castrim já passara 17 mil horas frente ao televisor. Em Outubro de 2002, tempo da sua morte, as contas foram calculadas em 70 mil horas.

A censura, diariamente, esquartejava-lhe a prosa.

Mesmo assim, um dia, entenderam que o homem estava a ir longe de mais e proibiram o «Canal da Crítica»

Proveniente de todos os quadrantes, levantou-se um vendaval de protestos.
Outra coisa não restou às múmias ditatoriais, senão aceitarem o regresso de Mário Castrim.

Quando esse dia chegou, Castrim abriu com um lindíssimo texto.

Foi assim:

«Regresso. Comovido, como quem regressa ao país da sua infância. Ficou para trás a calma, o sono reencontrado, o silêncio por toda a casa. Ficou para trás a visita de amigos, a frescura da noite, o deambular descuidado. Ficou para trás o ser “como toda a gente”. E no entanto, este regresso, na sua felicidade perdida, tem o sabor de uma felicidade reencontrada. Vou de porta em porta apertando as mãos que se estendem, forte de uma grande família. Vou crucificar os olhos no fulgor violento do televisor. Vou, pelo túnel da noite, em perseguição das palavras úteis, ou necessárias, ou simplesmente possíveis. Difíceis sempre, arrancadas da carne a grande profundidade da pele. Palavras que seriam de amizade, a selar a presença vivida, revivida, de tantos rostos desconhecidos e atentos. Palavras de quem, regressando ao frio da noite, regressa também, a morosamente, ao país da sua infância, ao país do seu país.»

Legenda: Mário Castrim

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