Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
DIAS COMUNS
Como não compro livros em hipermercados, fnacs e outras
variantes, apenas em livrarias, só no sábado tive a possibilidade de comprar o
VII Volume dos Dias Comuns do José Gomes Ferreira.
Apercebi-me, então, que ainda não colocara, por aqui,
nenhuma capa destes diários.
Apressei-me, no domingo a colocar a do I Volume e ontem a
do agora saído VII Volume.
As restantes irão aparecendo com o passar dos dias.
Não quer isto dizer que ao longo destes tempos não tenham
sido publicado muitos dos textos dos livros, principalmente durante o estertor
salazarento colocado no Passar dos Tempos, finais de 1968.
Segundo se pode constatar pela leitura de Música,
Minha Companheira Desde Os Tempos daInfância, os Dias
Comuns é um projecto que constará de 20 volumes.
O último chama-se E A Vida Corre Sem A Elegância
de Uma Gazela e percorre os dias de 1 de Outubro de 1979 a 25 de Maio
de 1980.
José Gomes Ferreira morreu a 8 de Fevereiro de 1985.
A
periodicidade da publicação destes diários tem sido de uma leviandade a todos
os títulos lamentável.
Vejamos e, por mera curiosidade, coloco o preço de cada
volume, havendo um ou outro de que não tem essa indicação:
1º Volume, Passos Efémeros, Outubro de
1990, mil novecentos e oitenta escudos.
2º Volume, A Idade do Malogro, Setembro de
1998, dois mil duzentos e cinquenta escudos.
3º volume, Ponte Inquieta, Maio de 2000.
4º volume, Laboratório de Cinzas, Maio
de 2004, catorze euros e quarenta cêntimos.
5º volume, Continuação do Sol, Novembro de
2010, catorze euros.
6º volume, Memória Possível, Janeiro de
2013.
7º volume, Rasto Cinzento, Março de 2015,
dezassete euros e noventa cêntimos.
Ou seja: 25 anos para publicar sete volumes.
Pelo andar da carruagem, muitos de nós, jamais irão ler
os Dias Comuns na sua totalidade.
Hélas!
Quem é José Gomes Ferreira?
Alguém lê José Gomes Ferreira?
O império Leya comprou a Editorial
Caminho, as Publicações Dom Quixote, outras editoras e mais não
tem feito do que descaracterizar essas, em tempos, estimáveis editoras.
Não admira que tantos autores já tenham batido com a
porta, entre outros, Mário de Carvalho, João Tordo, José Saramago.
Até António Lobo Antunes tem vindo a ser votado a um
silencioso desprezo.
De livros apenas devia tratar quem lhes sente a
importância e os ame.
José Gomes Ferreira deixou escrito que em todos os
volumes destes diários deviam aparecer estas indicações:
1.
Desejaria que estes meus Diários, pertencentes como as
restantes minhas obras à minha mulher e filhos, fossem publicados na íntegra.
Antes da publicação gostaria contudo que consultassem
os meus amigos mais íntimos para qualquer amputação ou disfarce (a substituição
pelas iniciais de alguns nomes, por exemplo).
Exijo entanto que sejam sempre consultados o Carlos de
Oliveira e o Alexandre Pinheiro Torres.
Lisboa, 7 de Março de 1976.
2.
Imprimam sempre esta sentença no princípio de todos os
meus diários:
Àqueles que podendo, por ter sido mal informado, peço
que me perdoem e continuem a sorrir para a imagem.
A abrir a nota que Maria Teresa Horta escreveu, em
Dezembro de 2000 no Diário de Notícias, para os três primeiros
volumes dos Dias Comuns, pode ler-se:
Enchem-se-me os olhos teimosamente de lágrimas sempre
que recebo mais um livro de José Gomes Ferreira, querido amigo desaparecido,
que me ensinou a conservar o sorriso ao longo dos dias que vamos vivendo, e a
esperança no mundo, apesar de tudo, e até nos outros, que nos levam a
desconfiar de tanta coisa.
E ainda:
Textos inestimáveis a trazer-nos de volta a memória
de um Portugal amordaçado, amesquinhado. Pobre País no qual, apesar de tudo,
José Gomes Ferreira acreditava.
Texto publicado em 14 de Abril de 2015
2 comentários:
É muito estranho, mas hoje espera-se tudo dos meios editoriais, Sammy.
E descobri que ainda não li nenhum diário "oficial" do grande Zé Gomes Ferreira, embora parte da sua obra seja quase do género. Dos livros que li, acho que a "Gaveta de Nuvens", "A Memória das palavras", "Intervenção (nada) Sonânbula" e até "Tu Liberdade", não fogem muito das suas vivências, diárias ou não.
Com grande pena minha, o José Gomes Ferreira, cada vez mais, vai caindo no esquecimento.
Ainda hoje me dá um grande prazer percorrer a sua poesia.
Os dias dos seus Diários Comuns têm coisas deliciosas, outras nem tanto, mas dão um retrato nítido e diferente da vida quotidiana daqueles tempos, toda ela quase inteiramente passada em cafés à conversa com os seus companheiros da escrita e da política E que companheiros!: Carlos de Oliveira, José Rodrigues Miguéis, (antes do exílio na América ou quando, espaçadamente vinha a Lisboa), Fernando Lopes Graça, Manuel de Azevedo, Augusto Abelaira, José Fernandes Fafe, João José Cochofel, tantos outros.
O primeiro livro que li do Zé Gomes foi «A Memória das Palavras» e nunca esquecerei o encantamento das páginas por mim devoradas e de quem tinha o gosto de falar de si. Uma frase simples: «Saudades, só do futuro!», alguém que aos 80 anos entendeu tornar-se militante do Partido Comunista.
Há também um muito interessante: «Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo» que ele considera o seu melhor livro.
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