quarta-feira, 7 de outubro de 2020

CONVITE À SENHOR BISHOP


Venha, por favor, senhora Bishop,

Voando por sobre o cemitério

Fronteiro à minha janela,

Por ruas sem sintaxe,

Por entre árvores que aqui se refugiam

Para poderem envelhecer.

Estarei à sua espera

Quando, à meia-noite,

O parapeito da minha varanda

For a amurada de um quarto

Que vira de bordo e se prepara

para dobrar o Cabo Horn.

Venha, por favor, senhora Bishop,

No salto mortal da elipse,

Revele o segredo da amputação impassível

Que anula a força centrípeta de um Eu,

O iceberg de fogo em constante naufrágio,

O mastro no topo do qual temos de adormecer.

Venha, por favor, senhora Bishop,

Deixe-se invocar, com um sorriso complacente,

Pela sua própria fórmula

Emprestada de outros

(E traga a senhora Moore).

Ensine como a geografia é a ciência

De reconhecer os lugares dentro de nós

E como o facto de serem concretos

Nos exprime e poupa ao etéreo –

As palmeiras que não prestam vassalagem

Ao vento em Key West

Ou o medo profundo que o barroco esconde

Em algumas cidades brasileiras

Ou a contida verdura da Nova Escócia.

Mostre como o mar aprendeu com os tubarões

A caçar ilhas,

Que desaparecem debatendo-se

Num furacão de espuma

E logo as águas cicatrizam;

Mostre como assim preda o seu verso

Num filão de minérios sensíveis.

Venha, por favor, senhora Bishop,

Prove que a única fantasia

É supor a existência de um real

Que não seja fabuloso.

 

Nuno Rocha Morais

Legenda. Fotografia de George C. Beresford

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