quinta-feira, 1 de outubro de 2020

COJIMAR, CUBA

 

Cojimar é um lugarejo que fica junto ao mar, a cerca de 18 km da Finca Vigia.

Por estes tempos, é mais um local turístico de Cuba, a pretexto da memória de Hemingway.

Era em Cojimar que estava ancorado o barco “Pilar”, aqui neste pequeno ancoradouro que podem ver junto a El Torréon, uma velha fortaleza militar da época colonial.

E era daqui que Hemingway partia para as suas pescarias e para as suas aventuras durante a guerra.

Quando regressava a terra, passava habitualmente por este bar que aqui veem, o La Terraza, e diz-se que se sentava sempre nesta mesa de canto, com janelas abertas para ambos os lados da praia. Hoje a mesa está bloqueada e nela ninguém se senta...

Hemingway dava-se bem com os pescadores locais e deles ouvia histórias da sua vida no mar, desde os grandes peixes que tinham apanhado até aos maiores sustos por que tinham passado, numa zona do golfo onde abundavam os tubarões.

Histórias desse género também Hemingway ouvira muitas vezes de Carlos Gutiérrez, que fora o primeiro “patrão” do seu barco em Cuba e, depois, de Gregório Fuentes, que lhe sucedera nessa função.

E parece ter sido da mistura de todas essas histórias que lhe surgiu a vontade de escrever “O Velho e o Mar”, que publicou em 1952 e lhe valeu um Pulitzer, e que foi a última obra de ficção que viu publicada ainda em vida.

O livro começa, maravilhosamente, assim:

Era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo, e saíra já por oitenta e quatro noites sem apanhar um peixe. Nos primeiros quarenta dias um rapaz fora com ele. Mas, após quarenta dias sem um peixe, os pais do rapaz disseram a este que o velho estava definitivamente “salao”, o que é a pior forma de azar, e o rapaz fora por ordem deles para outro barco que na primeira semana logo apanhou três belos peixes. Fazia tristeza ao rapaz ver todos os dias o velho voltar com o esquife vazio e sempre descia a ajudá-lo a trazer as linhas arrumadas ou o croque e o arpão e a vela enrolada no mastro”

Santiago, o herói deste livro, imortalizado por Spencer Tracy no filme de John Sturges, é uma personagem à qual se pretende, à viva força, associar um modelo na vida real.

Embora o próprio Hemingway tenha garantido não se ter inspirado em ninguém em especial, esse desejo de ligação não se esfumou.

Para uns a fonte de inspiração era Gregório Fuentes, o último “patrão” do “Pilar”, tanto mais que o Santiago do livro tinha ascendência espanhola e Gregório, oriundo de Lanzarote, também a tinha.

Para outros, a figura que inspirara Santiago não era Gregório, mas sim Gutiérrez, o primeiro “patrão” do “Pilar” em Cuba, e argumentam com o que o próprio Hemingway afirma numa carta escrita ao seu editor Maxwell Perkins e que também consta da coletânea de cartas a que já fiz referência no último texto.

Nessa carta, escrita em Key West em Fevereiro de 1939, 13 anos antes da publicação do livro, Hemingway faz a Perkins um “ponto de situação” das short stories que escreveu recentemente e das outras que gostaria de escrever num futuro próximo, e refere, a dado momento:

 

And three very long ones I want to write now. One about Teruel callad Fatigue. One about the old commercial fisherman who fought the swordfish all alone in his skiff for 4 days and four nights and the sharks finally eating it after he had it alongside and could not get it into the boat. That’s a wonderful story of the Cuban coast . I’m going out with old Carlos (Gutiérrez) in his skiff so as to get it all right. Everythink he does and everythink he thinks in all that long fight with the boat out of sight of all the other boats all alone in the sea. It’s a great story if I can get it right. One that would make a book.

Then I want to write that one of the storming of the Guadarrama pass by the polish lancers.”

(pág. 479)

Hemingway não afirma que foi Gutiérrez o herói inspirador da história, mas dá a entender que foi dele que proveio a maior parte da informação...

Para lançar ainda mais a confusão, trouxe de Cuba este livro de fotografias que vos mostro, “Hemingway y Cuba”, no qual o fotógrafo Raúl Corrales, que viveu os últimos anos da sua vida em Cojimar e conheceu muita gente, nos garante que a verdadeira fonte de inspiração foi o velho pescador local Anselmo Hernandez, do qual nos oferece sete fotografias.

Em quem acreditar…?

Para o caso não interessa, porque em nada fará alterar a qualidade da “short novel” de Hemingway.

Gregório Fuentes parece ter sido, no entanto, aquele que mais lucrou com essa eventual associação, já que passou os últimos 40 anos da sua vida (morreria em 2002, com 104 anos) a receber dinheiro de turistas estrangeiros para tirarem uma fotografia consigo e ouvirem as suas histórias dos tempos de Hemingway.

Os pescadores locais prezavam a atenção que o escritor lhes concedia e parece ter sido por iniciativa deles que foi construido e inaugurado em 1962 este pequeno monumento com o busto do escritor, mesmo defronte da fortaleza. Reza a lenda que o busto foi feito com base em hélices derretidas oferecidas pelos pescadores de Cojimar.

E todos os anos, em Cojimar, a memória de Hemingway é honrada com - como não podia deixar de ser… - um torneio de pesca.

PS:

A tradução de “O Velho e o Mar” é de Jorge de Sena, nesta bonita edição “Livros do Brasil”, sem data, com ilustrações de Bernardo Marques.

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira

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