segunda-feira, 5 de outubro de 2020

OLHAR AS CAPAS


 Autobiografia

Júlio Pomar e Marcelin Pleynet

Capa: Pedro Aguilar

Assírio & Alvim, Lisboa, 2004

 

O que é pintar?

Pintar, é pintar, é pintar é pintar.

Para poder levar as minhas águas

a um moinho credível imitei

Miss Stein, Gertrude para os íntimos,

uma americana gorda e lésbica ancorada no Paris no meio das duas

guerras  e tendo por amiga Alice Toklas, senhora de farto buço, e muito

feia de quem andava a inventar

uma autobiografia

que seria

livro de sucesso assim assim.

Gertrude percebera que algo se passava

nos desmandos coloridos dos seus visitantes

Matisse e Picasso, ambos fascinados

pelo desconfiado e precocemente envelhecido maníaco

de nome Paul Cézanne, que não deixava ninguém pôr-lhe a pata

               por cima

e da obra dele tiravam a razão

de olhar as coisas

com o fito de ver o que lá está e neles se inspirou a americana para

escrever que uma rosa é uma rosa é uma rosa.

Não é para contar estórias que tu escrever ou eu pinto.

A estória é o que deitamos na panela a amornar nas cinzas

Onde inesperado sopro lhe levantará fervura.

A cozinha é a cozinha como

uma rosa é uma rosa, querem

coisa mais simples?

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