Autobiografia
Júlio Pomar e
Marcelin Pleynet
Capa: Pedro Aguilar
Assírio & Alvim,
Lisboa, 2004
O que é pintar?
Pintar, é pintar, é pintar é pintar.
Para poder levar as minhas águas
a um moinho credível imitei
Miss Stein, Gertrude para os íntimos,
uma americana gorda e lésbica ancorada no Paris no meio das duas
guerras e tendo por amiga Alice
Toklas, senhora de farto buço, e muito
feia de quem andava a inventar
uma autobiografia
que seria
livro de sucesso assim assim.
Gertrude percebera que algo se passava
nos desmandos coloridos dos seus visitantes
Matisse e Picasso, ambos fascinados
pelo desconfiado e precocemente envelhecido maníaco
de nome Paul Cézanne, que não deixava ninguém pôr-lhe a pata
por cima
e da obra dele tiravam a razão
de olhar as coisas
com o fito de ver o que lá está e neles se inspirou a americana para
escrever que uma rosa é uma rosa é uma rosa.
Não é para contar estórias que tu escrever ou eu pinto.
A estória é o que deitamos na panela a amornar nas cinzas
Onde inesperado sopro lhe levantará fervura.
A cozinha é a cozinha como
uma rosa é uma rosa, querem
coisa mais simples?
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