segunda-feira, 26 de outubro de 2020

AS PÁGINAS DOS ROMANCES


Arriscávamos o salto mortal

voando com uma venda nos olhos

dos andaimes para o monte de areia da póvoa.

As obras da escola eram a nossa perdição:

 

as fasquias de alumínio, o ondulado de luzalite

das coberturas, o entulho, o ressalto

exacto do encaixe das tijoleiras, o pó quase de talco

dos sacos de cimento da cimpor. Nos sábados

 

à tarde erguíamos muros no combarro com tijolo

de quinze, marcávamos com estacas de pinho

o perímetro exterior do pavilhão, ligavamos a betoneira

a olhar em sobressalto os movimentos oscilatórios

 

do balde. Penso que era assim. Às vezes

pergunto o que fica dos livros, o que pertence

e não pertence à literatura, o que acrescentaram

à nossa vida as páginas dos romances.

 

José Carlos Barros

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