É
Janeiro e faz um frio de partir os ossos.
Na
frutaria nepalesa da rua – sou um apaixonado defensor do comércio de bairro –
comprei os primeiros morangos do ano – 3,99 euros por quilo - domingo que foi,
vindos não sei de que estufa espanhola mas, nas agruras deste dia, o primeiro sinalzinho
de que a Primavera há-de chegar.
Meu deus, como gostava do doce de
morangos e da doçura nocturna do teu corpo.
A
cena inesquecível de Pretty Woman, Richard Gere oferecendo
morangos à Julia Roberts.
Ela
olha interrogativa, e ele responde que os morangos realçam o sabor do champanhe.
1.
Christoph
Poppen é maestro, Juliane Banse é soprano, há seis anos, decidiram fazer em
Marvão um festival de música. A programação do ano que findou, devido à
pandemia, foi cancelada. Beethoven, no 250º aniversário do nascimento, fazia
parte do programa e tão poucos eventos aconteceram pelo mundo para marcar a
efeméride.
Marvão
revelou-se como um dos sítios mais silenciosos em que já estiveram. Algo
impressionante. Há beleza do local, a beleza da paisagem, a beleza da
arquitectura, mas para Christophe Poppen é o silêncio que se assume como
incrível, centenas de quilómetros de silêncio real. Num dia sem vento, o que se
escuta nesta terra do Alto Alentejo é o nada.
Ou como José Saramago escreveu na
sua Viagem a Portugal:
«Compreende-se que, neste lugar do alto
da torre de menagem do castelo, o viajante murmure respeitosamente:
«Que grande é o mundo».
2.
Redonda
estava a conversa numa mesa do café do bairro.
Dizia ele que,
por causa da máscara contra o Covid-19, estava a ficar com orelhas de abano.
Tudo te fica
bem , disse ela, e a máscara ajuda-te a andares por cá.
3.
O velho
Willie Nelson está com 88 anos e, se lhe acenam, nunca recusa dar uma perninha
num qualquer palco.
Há semanas disse: «Nunca pensei chegar a esta idade!»
Recusa essas coisas moles da velhice e, em Julho do passado ano, publicou o seu septuagésimo álbum de estúdio, a que chamou First Rose of Spring e fez questão de incluir uma velha canção de Charles Aznavour, Yesterday When I Was Young, e, se este por aqui ainda andasse, não hesitaria num dueto, que Willie tanto estima em fazer.
4.
A Comissão
Europeia decidiu tornar 2021 como o Ano Europeu da Ferrovia.
O governo
português dos 20 projectos do Plano Ferrovia do passado ano só concluiu três e 20% dos 2,1 milhões previstos não foram
utilizados.
Portugal
deixou de ter comboios internacionais.
Portugal tem, ao longo dos anos, tratado a ferrovia, para utilizar uma expressão suave, a pontapé
Comboios.
Tenho um grande fascínio por comboios, por estações de caminho-de-ferro.
Um fascínio
por comboios, estações de caminho de ferro, verdadeiros lugares da memória.
O Eduardo Prado Coelho disse que as histórias de comboios remetem sempre para a infância.
Há uma fotografia, agora não a encontro, que mostra Mário Soares e Maria Barroso, a regressarem do exílio de comboio. Santa Apolónia era um mar de gente.
Anna Karenina atira-se para debaixo de um comboio, não como fim da sua desgraça, mas como continuação do seu destino.
Tolstoi fez de um comboio o seu caixão, morrendo na estação de Astapovo.
A grande viagem de comboio de Lenine, destinada a mudar o mundo, iniciou-se a 9 de Abril de 1917, e durante oito dias preparou a revolução.
Aqueles enormes comboios de mercadorias que percorrem a América profunda, que passam lentamente, e onde vagabundos e malta diversa, andam à boleia. No Sweet and Lowdown, filme do WoodyAllen, o Sean Penn delicia-se a ver passar comboios.
O pintor belga Paul Delvaux gostaria de ter sido chefe de estação.
Invejo o anão, apaixonado por comboios, de Estação, filme de Thomas MaCarthy, que recebe, em nenhures, como herança, um pedaço de terra com uma esquecida estação de comboios.
Talvez porque tudo ande ligado, despede-se, por hoje, dos comboios e faz uma incursão pelo livrinho do Eduardo Guerra Carneiro:
«Um pequeno bar junto à estação de Nelas. Verão de 1964, Uma íntima sensação de liberdade (penso nas abelhas). Uma rapariga tão dourada ao longe. Outra vez a estação libertadora, um respirar mais fundo, sorri, segurei uma das tuas mãos, entrámos pouco depois no bar da estação de Nelas. Sim, isto foi serenidade!»
2 comentários:
Ó Sammy e ainda te lembras do último comboio do Katanga?
Se me lembro!...
Ainda era o tempo em que via cinema indiscriminadamente. Tudo o que vinha à rede era filme para ver...
Mas inexplicavelmente só me lembro do título.
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