quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Isto é o Inverno que nos trouxe um frio de rachar, como o lisboeta que sou, há muito não lembrava.

Folheando José Rodrigues Miguéis:

«Esta manhã assim que abri os olhos, ouvi um piano que enchia a casa de sonoridade: Chopin, uma mazurca, e tocada por mão de mestre. Foi uma coisa que sempre me dispôs bem para todo o dia, acordar a ouvir música.»

Leio este pedacinho do mestre e pergunto-lhe se em vez de uma mazurca de Chopin, não poderá ser um Nocturno, o no. 1 op. 9, tocado, com mestria, pela Maria João Pires?

1.

Percorreu os natais suficientes para saber de ciência certa, que nunca lhe aparece no sapatinho o que queria. Sonhou discos e livros, filmes também, uma caixa de esplêndidos robustos Cohiba, algumas garrafas de gin, mas que ninguém se atreve a oferecer, escudados naquele princípio de, dizem, o mais certo é teres tudo, ou então são coisas que fazem mal à saúde…
Por isso, todos os anos, toma as suas precauções e oferece-se a si mesmo as costumeiras prendas, as que nunca lhe provocam o que quer que seja: nem surpresa, nem desilusão…

No Natal de 97, comprou o duplo CD que Maria João Pires gravou para a Deutsche Grammophon com os Nocturnos de Chpin.

2.

The Dead, filme de John Huston.

Aquele jantar de Natal que reúne a Gente de Dublin com que John Huston se despediu do número dos vivos. Foi numa cadeira de rodas, com uma garrafa de oxigénio ao lado, que o filme foi rodado. Morreu entretanto e seria um dos seus filhos a terminar o filme.

Não haverá outro jantar como aquele na história do cinema. Só mestres são capazes destas coisas. Festa de Babette à parte porque isso é uma outra história. Talvez o jantar na colónia francesa no Apocalypse Now, versão remix, se assemelhe um pouco, o  jantar em que Coppola exigiu que os vinhos estivessem à temperatura em que devem ser bebidos.

Revendo o filme de John Huston, i maginei a lareira que não tenho, mas gostava de ter. Sentado a olhar o lumi, como dizem os alentejanos, um charuto, um gin. Folhear um livro ao acaso, talvez Memorial do Convento, largamente sublinhado, reler algumas passagens, talvez esta:

«… só uma mulher que está deitada num restolho com um homem em cima de si, cuida ver qualquer coisa a passear no céu, mas julga serem visões próprias de quem está a gostar tanto.»

Se bem se lembram, Blimunda e Baltasar, estavam a ser sobrevoados pela Passarola de Bartolomeu de Gusmão.

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