Eu bem queria não te dizer apenas
que, na cidade, são sete horas precisas
e os eléctricos conduzem gente
circunspecta e cansada.
Eu gostaria de dizer-te
que coisas sublimes tinham acontecido
ou, pelo menos, falar-te
de pequenos mas raros sucessos.
Se tudo fosse tão simples e sereno
como a descuidada juventude dos pássaros,
a todos os momentos eu poderia
enviar palavras naturais e frescas
ao teu coração aberto e vasto.
Difícil, então, só seria o silêncio
e dizendo teu nome estabeleceria
o rompimento absoluto com as estreitas,
agrestes e de sempre palavras sem futuro.
Poderia depois dizer-te coisas brandas
na universal linguagem
que tornasse concordes pássaros e estrelas
com a circulação ritmada do teu sangue.
Poderia falar-te de coisas que não estas,
de outra gente, não esta que ora segue
sonolenta e resignada pelas ruas.
Esta gente que não tem um sonho a embalar,
mas filhos, muitos filhos,
esta gente sem gritos nem revoltas,
mas sorrisos humildes e postiços,
esta pobre gente para quem são sete horas
irremediavelmente.
Ah! Maria Virgínia, pudesse eu
dizer-te francamente: «Não há perigo,
nada importam as horas,
vamos calmos e felizes pela cidade,
e o tempo não marca porque tudo é perfeito.»
Sim, eu queria dizer-te só palavras
harmónicas e novas.
Sim, eu queria que o tempo fosse
o mesmo dos insectos e dos peixes,
dos seres simples mas donos dos seus dias.
Exactamente o propício tempo
para te enviar as mais belas notícias
que tu guardarias juntamente
com a mais pura alegria.
Ah! pudesse eu dizer-te
o que dirão os homens
livres para sempre destas amargas horas
António Rebordão Navarro em Poesia Portuguesa do Pós-Guerra
Sem comentários:
Enviar um comentário