A idade traz-nos tiques esquisitos.
Todos os dias sento-me ao computador para olhar as notícias e ver se os de quem
gosto ainda continuam por cá.
No dia em que fez oitenta e cinco anos,
António Gedeão escreveu nas suas Memórias:
«Eu
todos os dias leio a necrologia no Diário de
Notícias e verifico a insistência com que
se acentua a presença dos falecidos na casa dos oitenta anos e até na dos
noventa, o que é uma novidade dos tempos recentes.
Foi no primeiro dia deste ano, que
deverá ser tão mau – pior?! – como o há dias findo, que ficámos a saber que os
deuses quiseram levar-nos o Carlos do Carmo.
Um viajante deste blogue deixou um
comentário para registar o que um dia José Saramago disse de Carlos do Carmo»
«Há
sempre alguma coisa de profundamente elegante no Carlos do Carmo, uma elegância
que não é só física, é também moral.»
Maria do Rosário Pedreira chamou-lhe uma voz de estimação e conta como,
menina ainda, o ficou a conhecer:
«No
Portugal cinzento da minha infância, havia muitos pais severos, autoritários e
distantes; mas, na roda da sorte que é a vida de cada um, calhou-me graças a
Deus uma família liberal que apreciava a noite e a boémia. A minha mãe adorava
arranjar-se e sair e o meu pai era suficientemente doido para arrastar consigo
os filhos pequenos para as casas de fado, nomeadamente O Faia, da grande
Lucília do Carmo, de quem era amigo. Tenho ainda fotografias desse tempo, com
franja e vestidos de gola engomada, sentada com seis ou sete anos entre
fadistas e guitarristas que eu fazia rir com macaquices próprias da idade e me
davam sobremesas deliciosas às escondidas.
Foi
assim que comecei a ouvir Carlos do Carmo, essa voz inconfundível que se se
impunha por ser tão única e tão diferente de tudo o que até então se ouvira.
Carlos do Carmo e o Faia foram, pois, fundamentais na minha educação musical –
e o meu amor ao fado vem desse tempo.»
Carlos do Carmo tem interpretações
únicas de canções lindíssimas, deixou-nos um disco fabuloso, Um Homem na Cidade, gostava de Sinatra e
de Brel.
O governo decretou um dia de luto nacional.
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