segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

OLHAR AS CAPAS

A Cidade das Livrarias Mortas

Francisco Duarte Mangas

Edições Afrontamento, Porto s/d

O meu avô paterno trabalhou no Teatro São João. E só a morte lhe diluiu da lembrança o desempenho do célebre ator Taborda, mo final de oitocentos, durante um espetáculo de beneficência para a Associação do Jornalistas e Homens de Letras abrandar a penúria das viúvas de escritores e publicistas desajudados de haveres. Era um tempo de pessoas generosas, de furiosos republicanos a guerrear a caridade jesuítica. Um camaroteiro guardaria segredos da fina flor da cidade, lotava o teatro na temporada lírica. O meu avô legou ao filho as memórias agradáveis ou as mais perturbadoras. A cidade, quase toda, trazia a revolta nas veias, a insurgência da Comuna de Paris teria aportado na Ribeira e propagado na forma de epidemia ao Porto culto, para usar a expressão de Sampaio Bruno. O meu avô conheceu Bruno. Um dia, junto da Brasileira, assiste a um episódio repugnante a olhar de republicano. Republicano não só por servir a nobreza pelintra de palito no dente a assistir à récita. Junto da Brasileira, o sossegado Bruno, a doença atormentava-lhe o movimento, é agredido pelo antigo camarada Afonso Costa: irrompe da chusma e, sem palavras, de soqueira de aço desfere-lhe o golpe, como se o alvo fosse o último inquisidor. Bruno aturdido, sangra do rosto, Costa e os capangas desaparecem com a presteza de lume das bruxas.

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