A
Cidade das Livrarias Mortas
Francisco
Duarte Mangas
Edições
Afrontamento, Porto s/d
O
meu avô paterno trabalhou no Teatro São João. E só a morte lhe diluiu da
lembrança o desempenho do célebre ator Taborda, mo final de oitocentos, durante
um espetáculo de beneficência para a Associação do Jornalistas e Homens de
Letras abrandar a penúria das viúvas de escritores e publicistas desajudados de
haveres. Era um tempo de pessoas generosas, de furiosos republicanos a guerrear
a caridade jesuítica. Um camaroteiro guardaria segredos da fina flor da cidade,
lotava o teatro na temporada lírica. O meu avô legou ao filho as memórias
agradáveis ou as mais perturbadoras. A cidade, quase toda, trazia a revolta nas
veias, a insurgência da Comuna de Paris teria aportado na Ribeira e propagado
na forma de epidemia ao Porto culto, para usar a expressão de Sampaio Bruno. O
meu avô conheceu Bruno. Um dia, junto da Brasileira, assiste a um episódio
repugnante a olhar de republicano. Republicano não só por servir a nobreza
pelintra de palito no dente a assistir à récita. Junto da Brasileira, o
sossegado Bruno, a doença atormentava-lhe o movimento, é agredido pelo antigo
camarada Afonso Costa: irrompe da chusma e, sem palavras, de soqueira de aço
desfere-lhe o golpe, como se o alvo fosse o último inquisidor. Bruno aturdido,
sangra do rosto, Costa e os capangas desaparecem com a presteza de lume das
bruxas.
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