Todos os princípios
são difíceis, e os assuntos delicados ainda mais.
Quando os assuntos
têm que ser tratados com pinças, há que inventar um abrir de prosa.
Lembrei-me de algo
que Vitorino Magalhães Godinho disse em Outubro de 1974, citado por José- Augusto França nas suas Memórias:
«Num tão longo regime totalitário, quer se queira quer não, todos
estiveram comprometidos. Salvo raras excepções em casos de sacrifício merecedores
de respeito e de rendida homenagem, a grande maioria teve de acomodar-se. Viver…»
Volto a lembrar o que,
aqui, já deixei escrito:
Ano de 1967, o Helder Pinho levou-nos a visitar a
cave-casa-estúdio que o Bual possuía na Amadora, a dado ponto da
conversa, entre latas de atum, azeitonas, queijinhos frescos, pão
alentejano, um garrafão de tinto, lembrei ao Artur Bual, a colaboração com o
S.N.I.
Muito calmamente respondeu: «Fomeca, meu caro, muito espaço no estômago».
Não acrescentou nem mais uma palavra e eu fiquei,
parvamente, a olhar.
Como pude ser tão idiota, tão ordinário, tão estúpido, tão
repugnante, tão mania de ser chico-esperto?
Tinha o exemplo do senhor meu pai, e alguma vez o Artur
Bual merecia que lhe perguntasse o que perguntei?
E não há nenhuns 20 anos que desculpem uma imbecilidade
daquelas!
Mário-Henrique Leiria, meu mestre de gin, e não só,
amiúde dizia que «posso morrer de fome mas não peço esmola», ou
ainda «para vivir de rodillas vale más morir de pie.»
Mas isso era o Mário-Henrique Leiria, um louco genial, e não podemos exigir
que todos fossem, ou sejam, como ele.
José Gomes Ferreira entristecia-se quando se lembrava que
os seus compadres e vizinhos, Bernardo Marques, sua mulher Ofélia Marques, para
sobreviverem, aceitavam fazer capas e ilustrações para as publicações do S.N.I.
O meu pai foi
funcionário do S.N.I. para a parte gráfica das suas publicações.
Sempre que saia uma qualquer
das publicações do S.N.I., livros, revistas, catálogos, etc., levava um
exemplar para casa. Isto durante anos a fio. Tudo se foi acumulando e começou a
faltar espaço para acondicionar outros livros.
Naquele tempo andavam
homens e mulheres pelas ruas a comprar jornais, garrafas, outras velharias.
Mais ou menos uma vez por mês, alguém ia lá a casa perguntar se havia algo para
vender.
Um dia, para arranjar
o tal espaço para livros que começava a faltar, o meu pai decidiu vender
ao quilo as publicações do S.N.I.
A minha costela
anti-regime rejubilou e até ajudei a fazer os molhos e a atar cordas.
Nesse monte estavam
os muitos números da Panorama e
também, entre muitos outros, Férias com Salazar, da jornalista francesa Christine Garnier com
fotografias do pide Rosa Casaco.
Ao tempo, rumores-cor-de-rosa, dão a jornalista francesa como uma paixão assolapada pelo Botas de
Santa Comba, e vice-versa, ao ponto de se ter divorciado.
Pelos anos 80, comprei
o livro editado por Fernando Pereira, mas sem as fotografias
do pide Casaco, o que faz alguma diferença.
Há uns anos, comprei,
na Feira da Ladra, 4 exemplares da
Panorama ao preço de 2,50 euros cada exemplar.
Dessa pilhagem anti-S.N.I.
restaram 29 volumes do “Notícias de Portugal” devidamente encadernados em carneira
porque o SNI, ao fim de cada ano, enviava esses volumes para a Presidência da República,
para o Conselho de Ministros, para todas as entidades gradas do regime.
Outra história para
contar.
Legenda: no topo,
capa de Bernardo Marques para a Panorama
nº 8, Abril de 1942. A outra capa é da autoria de Manuel Ribeiro de Pavia para
a Panorama nº 27 de 1946, sem
indicação do respectivo mês.
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