quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

DO «OFÍCIO DE VIVER» (CESARE PAVESE)

Por fim, escreve-se imaginando

que o leitor sabe ler.

 

Movendo-me em torno do informe

entoo em silêncio um pensamento

ritmado, sempre o mesmo talvez.

Palavras e ligamentos

dão colorido ético à nova musical,

materializando-se, o que é o mais

importante. Resta voltar aí

repetidamente, a esses poucos versos

iniciais. Torturá-los, interrogá-los,

pô-los sob tensão, até que descubro

o tom justo, o verdadeiro enigma

que, ligado ao núcleo, exclui

o erro. Até que as possibilidades

intrínsecas ao ponto de partida

se tornam individualizadas

segundo as minhas forças. Núcleos

rítmicos visíveis: a magia

do poema a formar-se.

 

Fumo um cigarro, tento pensar agora

Noutra coisa, mas sorrio

Estimulado pelo meu segredo.

Escreve-se imaginando um leitor

Que saiba ler. Farrapos.

 

Paulo da Costa Domingos, em Resumo: a poesia em 2010.

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