Os jornais lêem-se.
Por vezes calmamente,
outras vezes na viagem do Metro, outras ainda à mesa do café.
Deles guarda-se uma ou
outra página para leitura mais vagarosa, mais atenta, num outro qualquer dia.
Serão as notícias relidas.
No dia 14 de Dezembro de 2023, na sua crónica das quintas-feiras no Público, Nuno Pacheco, lembrou a morte, no ano que há pouco terminou, de José Duarte, o Jazzé como ele gostava que o chamassem.
Durante muitos anos fui ouvindo dizer que o
jazz em Portugal se registava como: Antes e Depois de Vilas Boas.
Agora, também se acrescentará: Antes e Depois
de José Duarte.
Antes e depois de muita gente que, em
Portugal, tem dedicado ao jazz um amor sem fim.
Passando ao lado desta discussão, não deixa de ser curioso que um homem que lhe
dedicou a vida, diluindo-o no seu ego até o absorver no nome, passando de José
Duarte a Jazzé Duarte (como gostava de se apresentar e ser conhecido),
mantivesse durante décadas uma posição pessimista acerca do futuro do jazz, em
particular do seu futuro em Portugal. Numa das últimas mensagens que me enviou,
por correio electrónico, datada de Outubro de 2022, escrevia que andava por cá
“até ao fim a lutar por jazz causa perdida”. E despedia-se, como sempre, com um
“até jazz”. Morreu passados cinco meses, em Março de 2023, mas, muito antes
dessa data, aquilo a que ele chamava “causa perdida” parecia, pelo contrário,
uma causa ganha, a julgar pelo número (e qualidade) de novos músicos, pela
quantidade de escolas, pela proliferação de festivais de jazz e de iniciativas
a ele ligadas.»
Para completar os amores de José Duarte pelo
Jazz, Nuno Pacheco cita um livro editado pela Guerra & Paz.
A saber:
«Chama-se
Histórias de Jazz (ed. Guerra & Paz) mas podia chamar-se Histórias com
Jazz, já que em todas elas o jazz está presente, das mais variadas formas
(discos, cassetes, instrumentos, evocações fantasmagóricas), mesmo na que evoca
Frank Zappa, músico de rock cuja ligação ao jazz se fez por via de influências
e colaborações.
O livro, em si, tem uma história curiosa. Leonel R. Santos, que desde 2006
mantém activo o site JazzLogical.net, com informações regulares acerca do que
se vai fazendo na área do jazz, dirigiu em 2001 uma revista de que foi
co-fundador, a All Jazz. Um dia, conta ele na introdução, apareceu na redacção
um leitor com duas histórias para eventual publicação. Interessou-se por uma
delas (Jitterbug Waltz), publicou-a, e desafiou leitores e amigos a escreverem
outras. Recebeu várias, em forma quase final ou em esquissos, mas, como a
revista acabou, ficaram num limbo. Até que, passado anos, voltou a lê-las,
reescreveu-as e fez este livro onde inclui 13 histórias, duas de sua inteira
autoria e as restantes fruto das adaptações ou reescritas a que livremente se
entregou (os autores dos originais são mencionados na introdução).
Assim, por entre ingredientes a que o jazz não é alheio (“amores desesperados,
amizade, sexo, sangue, suor e lágrimas, traição, humor e fantástico”), somos
conduzidos no desfecho de cada história a audições que lhes servem de banda
sonora: de Frank Morgan (A lovesome thing) a Anthony Braxton (Opus 58),
passando por Miles Davis (Sketches of Spain), John Coltrane (Every time we say
goodbye), Jimmy Smith (Hackensack), Hank Mobley (Smokin’) e tantos outros. Ou
ainda Charles Lloyd com Billy Higgins, no disco que gravaram em duo (só
saxofone e bateria), Which way is East, com a particularidade de serem ambos
chamados a protagonizar uma das histórias, Higgins, onde Charles chora no
saxofone a morte de Billy, “porque um pedaço dele tinha morrido com o amigo”.
Um livro de histórias para “ouler” com curiosidade, parafraseando o “ouver” de
Jazzé.»
Termino recontando uma história já por aqui citada:
«Fui a uma rádio em Los Angeles, que passa jazz 24 horas
por dia. O edifício era lindo, alto, todo em vidro. Era o início dos anos 70, o
João ainda era vivo. Eu tinha levado comigo uma cassete da Nina Simone a tocar
piano. O apresentador fez-me perguntas, estranhou onde era Portugal,
expliquei-lhe que se nadasse sempre em frente chegaria a Lisboa. E quando lhe
contei que tinha um programa de cinco minutos fechou o microfone, pensava que
eu me tinha enganado no inglês! No fim, pôs a minha cassete da Nina Simone e ia
caindo da cadeira: nunca a tinha ouvido só a tocar o piano. Saí daquela rádio
orgulhoso.
Um orgulho tão grande que, certamente, no regresso a
Lisboa, obrigaram o José Duarte a pagar excesso de bagagem.»
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