sábado, 6 de janeiro de 2024

OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE

«E agora podia carpir. Carpir, cantar – desafinadamente, embora – ou contar uma graça. Opto pela graça, seguindo o conselho de Wilder. Trata-se de uma historieta judaica cuja moral encantaria por certo o poeta Herberto Helder que, durante anos, andou às voltas com a moral de A Parábola da Agulha, relato de inspiração platónica em que uma velha procura uma agulha na varanda apesar de a ter perdido na cozinha… porque na cozinha está escuro.

A historieta a que me refiro é outra. Li-a n’A Bíblia do Humor Judaico (Marc-Alain Ouaknin, Dory Rotnemer, trad. Levi Condinho, Contexto, 1996) e reza assim.
“Um passarinho caiu do ninho num dia de muito frio. Pia desesperadamente até que passa um menino que o agarra e o coloca num monte de estrume ainda quente. O passarinho, quentinho, desata a cantar em nome do seu salvador. É então que passa uma raposa que, ao ouvi-lo, pula de contentamento e o devora.

Moral da história.

Primeiro: nem sempre aquele que te põe na merda te quer mal.

Segundo: nem sempre aquele que te tira da merda te quer bem.

Terceiro: porquê cantar quando se está na merda?”»

Ana Cristina Leonardo de uma crónica do Público.

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