«E agora podia carpir. Carpir, cantar –
desafinadamente, embora – ou contar uma graça. Opto pela graça, seguindo o
conselho de Wilder. Trata-se de uma historieta judaica cuja moral encantaria
por certo o poeta Herberto Helder que, durante anos, andou às voltas com a
moral de A Parábola da Agulha, relato de inspiração platónica em que uma velha
procura uma agulha na varanda apesar de a ter perdido na cozinha… porque na
cozinha está escuro.
A historieta a que me refiro é outra. Li-a n’A Bíblia
do Humor Judaico (Marc-Alain Ouaknin, Dory Rotnemer, trad. Levi Condinho,
Contexto, 1996) e reza assim.
“Um passarinho caiu do ninho num dia de muito frio. Pia desesperadamente até
que passa um menino que o agarra e o coloca num monte de estrume ainda quente.
O passarinho, quentinho, desata a cantar em nome do seu salvador. É então que
passa uma raposa que, ao ouvi-lo, pula de contentamento e o devora.
Moral da história.
Primeiro: nem sempre aquele que te põe na merda te
quer mal.
Segundo: nem sempre aquele que te tira da merda te
quer bem.
Terceiro: porquê cantar quando se está na merda?”»
Ana Cristina Leonardo de uma crónica do Público.
Sem comentários:
Enviar um comentário