Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao
Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a
ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um
espelho
porque, do que
sabia,
só um espelho com
isso se parecia.
De joelhos no
banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos
para o rio distante,
os olhos do animal
embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez
dos olhos penetrantes.
Diria o rio que
havia no seu tempo
um recorte
quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes
olhos,
grandes e ávidos,
fixos e pasmados,
o fitavam sem
tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos
grandes,
olhos de bicho
atento
que espera apenas
por amor de esperar.
E por que não
galgar sobre os telhados,
os telhados
vermelhos
das casas baixas
com varandas verdes
e nas varandas
verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da
história que voava
com asas grandes,
grandes, flutuantes,
e poisava onde bem
lhe apetecia,
e espreitava pelos
vidros das janelas
das casas baixas
com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que
é feio,
mas ir até ao
longe e tocar nele,
e nele ver os seus
olhos repetidos,
grandes e húmidos,
vorazes e inocentes.
Como seria bom!
Descaem-se-me as
pálpebras e, com isso,
(tão simples isso)
não há olhos, nem
rio, nem varandas, nem nada.
António Gedeão de Poemas Póstumos em Obra Completa
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