Memórias do
Cárcere
Camilo Castelo Branco
Capa: José Antunes
Colecção: Livros Unibolso nº 80
Editores Associados, Lisboa s/d
Antes de
contar como passei a primeira noite de cárcere, perdi-me logo, como, em
divagações, que o leitor, já afeito com o meu génio, aceita com benevolência.
Às nove horas
da noite, os guardas correram os ferrolhos, e rodaram a chave da pesada porta
do meu cubículo, a qual rangia estrondosamente nos gonzos.
Estava
sozinho. Sentei-me a esta mesma banca, e nesta mesma cadeira. Estavam aqui
defronte de mim alguns livros. Recordo-me de Shakespeare, Plutarco,
Sénancour, Bartolomeu dos Mártires, e uma Tentativa sobre a Arte de Ser
Feliz por J. Droz. Folheei-os todos, e de todos me fugia o espírito
para entrar no coração, e sair de lá em ânsias do inferno que lá ia.
À força de
contenção de alma consegui ler e meditar algumas páginas da Arte de Ser
Feliz. Em que local eu buscava a árvore dos bons frutos! É este um livro
de filosofia racional que preparou o ânimo de seu autor para mais seguras e
levantadas crenças na filosofia de Jesus Cristo.
Fez-me bem
esta leitura. Principiei logo a pôr em português as vinte páginas que lera, com
o intento de fazer publicar o livro inteiro em folhetins.
Fui às três horas da manhã procurar no sono a restauração das forças corporais, que as do espírito, até esta hora, nunca as senti indignas da ousadia com que ele se arremessou a perigosas batalhas com o mundo.
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