sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL

Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

               João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

É preciso ter percorrido muitos e diversos caminhos de pedras para perceber quem nos acompanhou e ajudou a percorrer esses caminhos.

A morte de Melanie Safka, hoje conhecida, é o sabermos que andou ao nosso lado, a sempre quer saber o que fizeram às nossas canções.

Um texto já aqui publicado no Cais, constitui a nossa Viagem de Abril.

Nunca deixamos de pensar nos dias em que esperámos a queda da ditadura para, como Jorge de Sena, conhecer a cor da liberdade.

Agora que entrámos por Abril dentro, tornam-se nítidas, angustiantes  também, essas lembranças: as palavras, as longas conversas, as canções que nos acompanhavam os dias.

Aos 20 anos, partilhavam-se sonhos desmesurados: mudar a vida, transformar o mundo.

Acontecido Abril, não tardaram ventos trazendo outras brisas.

Brisas que traziam notícias dos que não queriam que as coisas fossem assim tanto, outros que fossem mais suaves e, por estas e por outras, desencontrámo-nos.

Mário-Henrique Leiria, que sempre foi um combatente por causas, daqueles que entenderam a Pasionaria quando  ela gritou : más vale morir de pie que viver em rodillas, num cair de tarde lisboeta, entre dois gins, dizia-me:

- Vê lá tu, que o Álvaro Guerra, deixou de me falar só porque não sou do partido dele!...

Agora lembramos – os que se lembram, os que, ainda se querem lembrar,  que havia um país para construir, um país onde se pudesse viver com dignidade.

As palavras de Manuel Alegre, que já nos falavam de um País de Abril, poderia ser um outro qualquer mês, mas ele escreveu Abril.

Sorrisos de pássaros, canções de paz.

A Melanie Safka, já naquele tempo, a dizer-nos o que fizeram à sua canção.

Ainda hoje o diz:

Vê o que fizeram com a minha canção, mãe! Vê o que fizeram com a minha canção! É a única coisa que eu sei fazer mais ou menos bem... e deram cabo dela. Vê o que fizeram ao meu cérebro, mãe! Puxaram por ele como se fosse um osso de galinha... e acho que estou a ficar meio louco, mãe. Vê o que fizeram com a minha canção.

Quem me dera encontrar um bom livro, para viver dentro dele. Quem me dera encontrar um bom livro. Se eu encontrasse um livro realmente bom, não teria que vir - nunca mais - cá fora, para ver o que fizeram com a minha canção.

Mas... pode ser que tudo acabe bem, mãe. Pode ser que tudo dê certo. Se as pessoas estiverem compradoras de lágrimas, um dia destes vou ficar rico, mãe. Vê o que fizeram com a minha canção, mãe! Embrulharam-na em plástico e viraram-na do avesso, mãe. Olha o que fizeram com a minha canção!

É a única coisa que eu faço bem... e eles viraram-na de cima para baixo, mãe. Vê o que fizeram à minha canção!

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