quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O LUGAR EM QUE PENSO É DIFÍCIL


Porém, Antuérpia não é um ponto de chegada, É uma cidade como as outras: com bares e nevoeiro, o silêncio das coisas, as pessoas, a matemática impenetrável das suas multiplicações e desmultiplicações, e com a música dos minutos que se corrompem. Em Antuérpia há prostitutas, há um calor humano degradado, e a embriaguez. Lá também se morre. Talvez alguém um dia tenha ressuscitado em Antuérpia. Não sei.
O lugar em que penso é difícil, sempre difícil.
Sei que ao norte existe o rio Escalda. De lá parte-se, alcança-se o mar. Uma vez, alguém me disse:
A gente que nasce e vive junto do mar é mais pura.
Penso que o mar dá uma qualidade especial à fantasia, ao desejo e à confiança humana. O mar é uma propriedade misteriosa do espírito, pela qual nos é ensinado
nada esperar, nada desesperar. Talvez seja isso a inocência. Talvez só no mar nos seja dado morrer verdadeiramente, morrer como nenhum homem pode.

Herberto Helder em Os Passos em Volta

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