O Banqueiro Anarquista
Fernando Pessoa
Capa: José
Manuel Figueiredo
Colecção Mínima
nº 1
Ulmeiro, Lisboa,
Abril de 1994
Pois foi este o processo que eu segui. Meti ombros à
empresa de subjugar a ficção dinheiro, enriquecendo. Consegui. Levou um
certo tempo, porque a luta foi grande, mas consegui. Escuso de lhe contar o
que foi e o que tem sido a minha vida comercial e bancária. Podia ser interessante,
em certos pontos sobretudo, mas já não pertence ao assunto. Trabalhei,
lutei, ganhei dinheiro; trabalhei mais, lutei mais, ganhei mais dinheiro;
ganhei muito dinheiro por fim. Não olhei o processo — confesso-lhe, meu amigo,
que não olhei o processo; empreguei tudo quanto há — o açambarcamento, o
sofisma financeiro, a própria concorrência desleal. O quê?! Eu combatia
as ficções sociais, imorais e antinaturais por excelência, e havia de
olhar a processos?! Eu trabalhava pela liberdade, e havia de olhar as
armas com que combatia a tirania?! O anarquista estúpido, que atira bombas
e dá tiros, bem sabe que mata, e bem sabe que as suas doutrinas não incluem a
pena de morte. Ataca uma imoralidade com um crime, porque acha que essa imoralidade
pede um crime para se destruir. Ele é estúpido quanto ao processo, porque,
como já lhe mostrei, esse processo é errado e contraproducente como processo
anarquista; agora quanto à moral do processo ele é inteligente. Ora o meu
processo estava certo, e eu servia-me legitimamente, como anarquista, de
todos os meios para enriquecer. Hoje realizei o meu limitado sonho de anarquista
prático e lúcido. Sou livre. Faço o que quero, dentro, é claro, do que é
possível fazer. O meu lema de anarquista era a liberdade; pois bem, tenho a
liberdade, a liberdade que, por enquanto, na nossa sociedade imperfeita, é
possível ter. Quis combater as forças sociais; combati-as, e, o que é
mais, venci-as.
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